sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Poeta Antonio Kleber Mathias Netto

Sobre o Poeta Antonio Kleber Mathias Netto
“Conhecia o cronista, não o poeta. Um conhecimento superficial, através de artigos no Diário da Manhã. Mas a leitura dos primeiros versos de " Poemas para uma Flor Azul " foram suficientes para medir a grandeza do poeta que habita a alma de Antonio Kleber, e isso ainda sem desmerecer o cronista, que também fustiga com o açoite da verdade o comportamento infeliz dos pulhas que infelicitam a vida da maioria... Seus poemas são a dimensão do pensamento que sobreleva a ação do comportamento humano à glória da dignidade pessoal. Quando protesta: "As Américas dos vis estelionatários, paraíso dos pulhas, morada dos facistas e calhordas, latrina das potências", o poeta atira na cara dos entreguistas-canalhas a cobrança, que deveria ferir-lhes como o pontaço de um punhal em brasa: "Quando seremos livres e a mortalidade deixará de levar nossas pobres crianças?"

Jornalista Raul Quevedo, Porto Alegre.

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“O seu trabalho é forte e característico, o vocabulário precioso, originado de uma pesquisa infatigável. Dono de uma imaginação fabulosa e de observação arguta, estilo próprio e vigoroso, muitos de seus contos enquandram-se entre os melhores da nossa ficção já produzidos.”

Escritor Everaldo Botelho Bezerra, Presidente da Academia Gonçalense de Letras – AGLAC – 2001, co-autor do livro de contos “Sinal Vermelho”.
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“Escritor Antonio Kleber Mathias Netto - Junho/06

Caro Antonio Kleber.

Coincidências – Estive por muitos anos no Alegrete. E conheço Camaquã. A presença do trem, sempre. Fiz várias vezes Porto Alegre, Santa Maria da Boca do Monte, Alegrete. Aqui, joguei no Guarani e ganhei (inclusive Uruguaiana) muitos concursos hípicos, no 6º. R.C., principalmente.

Inicialmente quase metáforas, o livro retrata o período ditatorial e as torturas dos “carniceiros fardados”, a “brutalidade castrense”, a neutralidade feia, omissão covarde, dos civis. E o tal pelotão Z, depois o DOPS, Anistia etc. É preciso sempre denunciar, de alguma forma.

Talvez outra coincidência – Editor de Rio das Ostras (é isso?), onde fiz várias palestras em encontros culturais, Município evolutivo.

Bem narradas as peripécias apaixonadas com a Maria Dolores (a inesquecível Das Dores), “À Sombra do Barbaquá”.

Vocabulário de ambiências que tanto conheci – as chinas, a querência, os cuscos, os CTGs, a cancha-reta e as máximas dos pagos.
Parabéns!”

Professor Ivan Cavalcanti Proença, Jornalista e Escritor

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O BEIJO

Guardo teu beijo, terno beijo, na memória.
No outono cinza, a despedida, último adeus,
como se foras sem deixar-me uma esperança
de reviver o teu carinho e os lábios teus!

Amargurando o teu partir, restou-me o beijo.
Sonho desfeito, nem as folhas esqueceram,
no farfalhar, de relembrá-lo nas canções,
brincando algures junto às brisas outonais!

As estações se sucederam desde então!
Alma constrita, olhar perdido no horizonte,
dei-me ao letargo dos impulsos lascivosos!

Trago a utopia de uma espera que me aturde!
Cedo o destino e a vida; ao tempo, entrego a morte,
mas na esperança de beijar-te uma outra vez!
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“Olá, Antonio. Tive a curiosidade de visitar a sua página. Adoro poemas e gostei muito dos que constam em seu perfil, em especial “O Beijo”. Ele me remeteu a um período muito especial da minha vida.
Sou admiradora dos que conseguem transformar emoções em palavras. Parabéns”.


Zuleika-
São Paulo - SP

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“Kleber, teu “BEIJO” é perfeito: - Fala do gosto gostoso que ele tem! - Inesquecível! - Fala o que se foi... ( O povo gosta de sofrer; se sofre, não é feliz...). Mas, sobretudo, deixa transparecer a esperança, doce esperança que fará esse beijo mágico acontecer, justamente como seus amigos que chegarão pelo processo orkutiano... Eles pensarão assim: A Poesia é encantada, porque cada um que a lê pensa que foi feita para ele. Belo convite de sedução Escolheu muito bem. Ele está perfeito. Não consigo ver reformas”.
Ainda bem que você é descodificador e “mandou” bem, decifrou o escondio - escondido”. Pessoalmente, gosto mais de “O BEIJO”. Afinal, “O Beijo” passa a idéia de ser um beijo único, irresistível. “Beijo” parece generalizá-lo. Mas... Tu és o Mestre!”


Maria Madalena Gomes - João Pessoa - PB

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Antonio, eu amei o teu soneto O BEIJO! Simplesmente lindo! Você tem muito talento! Parabéns!”

Lis Litrel – Castanhal
http://lislitrell.weblogger.terra.com.br/

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Adiante, leia algumas poesias publicadas no livro "QUARENTA SONETOS SEM PECADOS", Editora Zem - Teresópolis - Rio de Janeiro - 2007:


UM DIA...

Do teu corpo, percorro a geografia;
como o vento, te envolvo por inteiro.
As carícias e o beijo verdadeiro
renderão homenagem à fantasia.

Na trilha da volúpia incandescida,
atiro-me em sentido alentador,
do êxtase fazendo-me senhor,
ante a aventura da alma ensandecida!

Sou livre, e a liberdade conhecemos!
Por isso, não importam tais momentos...
Mas nunca esquecerei teus ais profanos!

Desejarás, um dia, o que vivemos:
realidade fugaz dos sentimentos,
cheios de paz, de gozo e amor insano!

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COMENTÁRIOS:

“Obrigada pelo lindo poema...Abraço e fica com Deus!!!”

Jackie Nascimento - RJ

rjjackie@gmail.com

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“Obrigada...suas poesias são inspiradoras”.

Sâmara Fagury – Campinas – SP

samarafagury@zipmail.com.br

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“Olá! Quero te agradecer pelos lindos poemas e te desejar um excelente 2007. Que você fique muito mais inspirado para continuar escrevendo textos tão bonitos”.

Fernanda Maia – SP

satine.23@bol.com.br

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“Oi, Antonio, obrigada pelos poemas. São lindos! Continue enviando. Feliz 2007, ou melhor, felizes anos novos. Beijos”.
Eliane Reis – Novo Horizonte –SP

li_poesia@hotmail.com

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“Antonio,
Obrigado pelas belas poesias.
São muito bonitas mesmo.
Você é muito bom!”

Salvador – Bahia




INSPIRAÇÃO

Mas eis que a inspiração que se ausentara
agora se aprochega à noite fria,
confortando minha alma tão vazia,
nutrindo o sentimento que não sara.

Recebo-a na cadência dos encantos,
tecendo as ilusões do amor ansiado.
Do meu desejo, emerge augusto fado;
do verso, brotam luzes, brotam cantos.

A inspiração colheu-me, desta feita,
centuplicando temas esquecidos
num passado de sonhos fenecidos!

No tremor da emoção que me sujeita,
escrevo este poema à musa eleita,
mas só, sob amargor imerecido!

SINFÔNICA DA FOME

Na procissão desesperada dos aflitos,
escorraçados pelo açoite das promessas,
segue a lamúria, segue a dor e segue o pranto,
na reza atônita que abisma as emoções.

Quais trapos vivos que outros trapos repudiam,
olhos profundos pela insônia repetida,
vão-se no atroz revezamento da vigília,
buscando ao longe a luz de novas esperanças.

Nessa ginástica de olímpica cruzada,
aproximando-se aos funéreos vendavais,
caminha o séqüito faminto e pessimista.

Na sorumbática e espantosa osteografia,
vai-se o epidérmico chocalho de ossos vivos,
na monolítica sinfônica da fome!

PROVAÇÃO

Instala-se um silêncio de mistério
no coração tomado de aflições.
As multifacetadas emoções
encontraram repouso em monastério.

Antes assim: razão, tino e torpor
sirvam de manto augusto ao meu critério,
revelando ao desejo a luz do império
de uma força maior que o próprio amor.

Se no amanhã da espera tão renhida
eu colha os louros desta intensa lida,
festejarei as dádivas com vinho!

Mas, se em lugar do prêmio e da guarida,
eu receber as dores sobre o ninho,
aceitarei sofrer sob os espinhos!

ANTES QUE SEJA TARDE

Não quero sucumbir com minhas ânsias,
andrajo dos sentidos, forasteiro
à espera de um amanhã que nunca chega,
mergulhado em quimeras e esperanças!

Levem-me daqui, já! Levem-me logo,
enquanto ainda não sinta a escuridade
das noites frias, noites de relento,
destruindo a carne nua ao desabrigo!

Há limo nos escombros da minha alma.
Vê-se, pois, como antigo é o sofrimento
que devassa de ponto a ponto o ser!

Desejo, pois, o rito da passagem,
antes que assista a fúnebre empreitada,
aniquilando os últimos dos sonhos!

DEGREDO

Embriagar-me-ei com teus anseios, teus segredos,
serei amor intenso, ardor e tudo o mais,
durante o tempo de vigência do degredo
que, com certeza, na tua alma abrigarás!

Quando ao meu lado, na lascívia e no aconchego,
tu sentirás calor, amor... sentidos tais,
que um pensamento, então, se faz segredo:
“Esse degredo para sempre manterás!”

E a descobrir-te por inteiro muito cedo,
à luta intensa me darei pra que jamais
tu me liberes dos teus sonhos, teus enredos!

A desvendar-te ponto a ponto tu verás
que todo o tempo foi de encanto raro e ledo,
e a todo custo, prolongá-lo tentarás!

O PRAZER

Venero a natureza do prazer,
um milagre genético da vida
que ao ser humano entrega florescida
a árvore do encanto e do querer.

No dia-a-dia, vence a doce lida,
no processo da ardência a recrescer.
É ilusão, sonho, gozo a languescer,
ao rito hereditário da ultravida.

De repente, ressumbram sensações
a percorrer os nervos espinhais,
aos auspícios dos nervos encefálicos!

Repertório sagrado de emoções,
é o prazer que eterniza os imortais
em simples ais, em simples tons vocálicos!

APÓS, O OLOR QUE ALENTA

Os corpos transpiram no leito de sonhos,
entregam-se à sorte do amor sem limites,
trocando murmúrios, carinhos, palpites,
trazendo nas faces dois jovens risonhos!

As mãos tremulejam em mútuo convite,
ao tácito verbo dos seres pidonhos,
ao canto lascivo jamais enfadonho,
nascido no império da deusa Afrodite.

O tempo aprimora o instintivo pulsar
dos dois corações manietados às ânsias,
rendidos à viagem sublime das almas!

E mais uma vez, na explosão do arquejar,
espalha-se aos ventos a doce fragrância
do olor misterioso que alenta, que acalma!

AMOR AUSENTE

A emoção da lembrança pouco importa:
é resto, é cinza, tempos remexidos,
tantas vezes roteiro não vivido,
que nos ilude, amarga e não conforta!

Norte desencontrado, onde o sentido
revela-se exaurido e coisa morta,
aturdindo a memória e abrindo a porta
de fatos que se quer ver esquecidos!

Rumo incerto, aventura indefinida,
sonhos vagos aos pés do peregrino,
perdendo as horas caras do presente!

É sorte espúria a espera empedernida,
ilusão de veneno diamantino
de quem não mais terá o amor ausente!

O RITO DOS ZANGÕES

O verbo dos teus lábios sedutores
arruma-se nos versos do rodeio,
proclamando o vigor do devaneio
que alumbra o coração dos teus amores.

Teu verbo explode virgem do teu seio,
rendendo aplauso aos teus aduladores,
evitando magoar tantos senhores
que aspiram teus carinhos, teus enleios.

Teu verbo é a primavera da libido,
espargindo os olores das florinhas,
sob o clamor das chamas do desejo!

O rito dos zangões é obedecido;
nesse processo, tu és uma rainha:
eu morro e gozarás os teus voejos!


VIBRAÇÕES

No repente da noite silenciosa,
ao ferrete do amargo das esperas,
eis que lhe chega, linda e maliciosa,
quem não viria, mas chegou deveras.

A força transcendente da libido
aborda o instinto puro do animal.
Desperta, então, o amante sucumbido,
reassumindo energia doutro astral.

Olhos nos olhos, bocas se aproximam,
sob a preliminar concupiscente
que arrosta a nervatura às impulsões!

Agora, vibram corpos que se animam,
naquele quarto há pouco tão silente,
ao rigor das mais veras emoções!

SENTENÇA DO AMOR TRAÍDO

Escombros memoriais guardam desgraças
da história de um amor infortunado,
nascido em coração já maltratado
pelos desprezos tantos e chalaças!

Amor ardente, puro, adulçorado,
rendendo inspirações sob alta graça,
eis que num de repente se esfumaça;
com ele, o lar de paz, lar sublimado!

Homem experiente, foi-se, então, com calma
dar descanso à idade em monastério.
Mas, antes, sentenciou à ninfa ingrata:

“- Apunhalaste, ao fim, por trás, minha alma,
gozando de momentos refrigérios,
sob traição que ainda me maltrata!”

A FONTE DO DESEJO

O desejo abre as portas, rompedor!
Nascente de energia inexplicável,
seu segredo de ação é impenetrável,
mas tenho uma certeza: vem do amor!

Por que maior que tudo, invariável,
não há outro sentido, outro fervor,
que se arvore em potência e em tal ardor
como este sentimento insaciável!

Coração descompassa, alma se agita;
complicam-se as idéias e os projetos;
as cores e o horizonte se transfundem.

O amor é inspirador e não cogita
o desprezo das ânsias, dos afetos,
enfim, dos sentimentos que o aludem!

PRISIONEIRO

De antemão, sabedor do tempo ingrato,
enclausurado e só -, masmorra antiga -,
sinto vingar apenas a cantiga
do látego no corpo intemerato.

Sabedor que a agonia é o meu retrato,
sob aplausos das dores da fadiga,
sinto nojo dos pulhas de uma figa
que apontam meu sofrer algo abstrato!

Ao deus-dará, soçobram pensamentos,
ao rés-do-chão levados pelos ventos,
tal se a memória fosse imenso zero!

Aquele aceno foi justiçamento
de acusação de eventos insinceros,
sobre o amor que carrego ainda austero.

PROCESSO DE PRAZER E CRIAÇÃO

Na relva, a caça busca os caçadores,
há cio em primitivas ansiedades;
torvelinho no chão de asperidades,
vulcânico espargir dos seus calores!

Instintos em fusão com a tempestade,
são forças, são embates redentores,
gerando fogo, brasas e vapores.
Ressuma o gozo, assim, da eternidade!

Seres humanos, seres do mistério,
prostrados nas alfombras da magia,
entregam-se à grandeza da criação!

De milagre em milagre, ao climatério,
lençóis em desalinho, o tempo envia
a nova juventude à sucessão!
AUSÊNCIA

Converso comigo, contigo, com as horas,
chutando os abrolhos à flor das areias
que um dia nos viram felizes, sem peias,
ao canto de enlevo das ondas sonoras.

Aos ventos alísios, a mente campeia,
sofrendo tua ausência que minha alma deplora,
sentindo saudades, querendo-te agora,
sofrendo a friagem do sangue na veia!

A tarde desenha horizonte obumbroso;
já não mais palpitam desejos ardentes;
de novo me entrego à tragédia fatal!

Os olhos perdidos no mar tenebroso,
no escuro das águas, sentidos ausentes,
relembro o naufrágio fator do meu mal!

SILÊNCIO ANSIOSO

Quero sentir teu corpo e a tua essência.
Vamos, entrega a boca ao meu desejo,
no sublime voejar dos meus ensejos,
como a abelha se entrega à florescência.

Na primavera viva dos encontros,
dá-me a volúpia pura que te toma,
em forma de ais, gemidos, sem redoma,
que te farei feliz com pouco apronto.

No navegar sem rumo dos tremores,
rompa os limites cinzas do teu medo,
agarra-te com fé aos teus sentidos.

Sinta o silêncio ansioso dos ardores:
é a natureza abrindo as portas cedo
dos mistérios que trazes tumescidos!

PARA O AMOR SEM SUBSTÂNCIA

Ao rigor das saudades carrascais,
decifrando os amores já perdidos,
vestimos carapaças de iludidos
no transitar da vida tão fugaz.

Por que homenagear sonho rompido,
desejando o ser fútil, o ser sagaz,
entregar-se ao valor que não apraz,
se à frente nosso amor será atendido?

A força que supera nossa escolha,
trazendo-nos sinérgicos anseios,
nasce do caos vulcânico do instinto!

Não ceder, como cede ao vento a folha;
ser rijo, relutante e sem rodeios,
para escapar da vida de absintos!

AO FIM, SOLIDÃO
Essa tresloucada lascívia que morde
na solidão rude do quarto e da rua,
navalha, silêncio, loucura que estua,
é voz das lonjuras, primevos acordes.

A força neurônica ativa-se nua;
o corpo se entrega ao sentido que o aborde;
importa a libido, que avulte e transborde
impera o animal que o instinto insinua.
Ao chão são lançados projetos conscientes;
madura é a lascívia sem peias, sem doma,
sacudindo a febre e os tremores nevróticos!

Essa ardência é brasa, calor eficiente,
transtorno noturno da carne que assoma
desejos virados em sonhos eróticos!

OLÁ, PRAZER!
Olá, prazer, seja bem-vindo! Vem,
açambarca meu corpo de uma vez!
Será vício o que sinto e o que tu vês,
diante do corpo nu que me entretém?

Prazer adulçorado, augusta paz,
convido-te ao milagre da libido,
nesta ardência de frêmito incontido,
onde me basto no êxtase que apraz.

Esboço-te à grandeza do universo,
és o cosmo, és palavras, és o verso,
és o mestre envolvendo-me em delírios!

À luz do alvorecer, eu me despeço;
deixo a noite dionísia, vai-se o círio,
fica o corpo rendido ao olor dos lírios!

ABANDONO

Como nada a querer, eis que me entoca,
sob o fulgor de linda meretriz,
uma paixão profunda e chamariz,
algo que me entontece e que me invoca!

Passado um tempo, ouvi um diz-que-diz
rondando atrás das portas da fofoca.
E após imaginá-lo ser lorota
eclodiu como fato dos mais vis!

A história amarga foi-me como um tiro;
ela dissera ser minha senhora,
amante a qualquer tempo, até a desoras!

Agora, solitário, em vãos suspiros,
aumenta o contingente dos meus vírus,
carcomendo minha alma mundo afora!

AO ANOITECER

Tecendo lembranças de fatos e enleios,
relembro emergências do amor-acalento,
ao som repetido das ondas ao vento,
na dança dos corpos em suaves floreios.

Teu corpo, tua alma, teu hálito puro,
teu beijo seguro, teu gozo sem freios,
são marcas guardadas nos meus entremeios,
antigas memórias, com zelos e apuros.

Murmúrios tecidos em ais, choramingos,
nas praias desertas de tantos domingos...
que lanho nostálgico rasga minha alma !

Ao anoitecer, fura-buxos, flamingos,
gaivotas em festa brindavam a calma
de um espaço só nosso... e ao redor sem vivalma !

TRILHA DOS PRAZERES

Assim... deita-te agora, dá-me o colo.
No teu corpo, no campo mais sensível,
sentirás minhas mãos, alma visível,
num frêmito de amor sem protocolo!

Eis a estação primeira onde controlo
preliminares no antro do possível,
agitando o universo do invisível,
levando as emoções a tiracolo.

Junto à cintura inquieta e dadivosa,
instinto a por ao chão todo juízo,
verás que os teus grilhões se romperão.

Ver-te-ei nos cosmos, bela e venturosa;
eu e tu visitando o paraíso.
Nossas almas, assim, desmaiarão!

RECORDAÇÕES

Ferrete que trago nos vãos da memória,
recordo teus ais misturados às brisas,
vivendo o silêncio através das balizas
das noites profundas fadadas à história!

Ao êxtase puro que o apego entroniza,
no doce mistério da augusta vitória,
rompias divina em feliz trajetória
o cosmo sagrado que o amor eterniza!

Tua alma, teu cheiro, teu sexo forte,
a marca indelével da amante sem freios,
tudo isso é lembrança de antigos anseios.

Ao canto noturno do azar e da sorte,
nós dois revelamos a vida e a morte
na entrega dos corpos, sem medo ou rodeios!

É TARDE

Chegara perguntando: “- E aquele beijo
vulcânico e atrevido que me deste?”
Respondi: “- Me julgaste um cafajeste
a me adonar das moças de sobejo?”

“- Nunca mais vi, e até hoje não vejo,
rapaz tão desabrido, flor de peste,
jogando o olhar ardente sobre a veste,
rompendo o meu pudor com seu traquejo!”

“- Nosso primeiro encontro, então te lembras?
E como aquele beijo tu recordas?
E os teus olhos...teus olhos esfogueados!

Tu me queres. É tarde! Vai, relembra:
partiste e me deixaste sobre as bordas
de dor profunda e acerba! Um fracassado!”

AMORES VIRTUAIS

Estranhos, como não, nessa distância,
trocando confidências, ais e juras,
intimismo de pura rutilância,
ao zelo de elogios com ternura!

Sentidos luxuriosos, emoções,
meiguice, amor, promessas repetidas
nos sonhos madrigais, nas sensações
castigando nossa alma sacudida!

À apatia do tempo, tomo vinho,
sob o amargo sombrio da saudade
de quem sequer o rosto eu adivinho!

Sobre a mesa, papel, caneta e a herdade
composta pelos versos da verdade,
declarando a ilusão dos meus caminhos!

ENFADO

Tira o véu deste rosto misterioso,
mostra a ardência da boca esplendorosa!
És escrava das ordens imperiosas,
ditadoras do teu querer fogoso!

Pecam teus pensamentos, tuas prosas;
tu te assentas em hábitos baldosos!
Em ti, proliferam perigosos
instintos e atitudes poderosas!

Momentos deleitosos são teus sonhos;
é tudo natural, nada me oponho,
é enlevo de futuro que planteio!

No entanto, tu declaras enfadonhos
o amor que nutrifico e garganteio
à luz dos meus sinceros galanteios!

ALGOZES NOTURNOS

Há noites frias, longas, sujas, vãs, silentes,
donas de abrigos nus, de andrajos nulos de ânsias,
estes gemendo, aos breus, as dores das infâncias
e a idéia bruta, forças cruas, inconscientes!

Sono sem sonhos, ei-los sob a intolerância
da elite burra, assaz soberba e incomplacente,
que nessas noites vendo a dor de tanta gente
alcança o gozo na omissão da dominância!

De um lado, sem razão, mordazes furibundos,
cruéis no plano torpe e atroz do menosprezo:
aniquilar de vez, sem dó, os moribundos!

Mísero tempo, noutra banda é medo aceso!
Sim, quais sarnentos cães, ao rés-do-chão imundo,
basta de algozes contra pobres indefesos!

LAMÚRIA

Sou homem, és mulher, somos dois seres,
heranças do milagre mais primevo,
trazidas ao presente em doce enlevo,
sob a constância ativa dos prazeres.

Estigmatizada a carne e as ânsias
ao prazer mais antigo dos impulsos,
no amor não prevalecem discrepâncias,
vigora, sim, algum queixume avulso.

Sentimento primeiro, quase instinto,
confesso-te sem culpas que não minto,
ao reafirmar meus sonhos de luxúria.

Porém, nas noites frias, o que eu sinto
é a acerba solidão, atroz e espúria,
assoberbando minha alma de lamúria.

RECANTO DAS ROSAS

É primavera, as rosas se apresentam,
sob vário matiz e exuberantes.
Aveludadas pétalas fragrantes
transmitem paz, olores e acalentam.

Flores maduras, lindas, balouçantes,
à natureza todas acrescentam
o toque da magia em que se assentam
as obras delicadas e irradiantes!

Na festa dos sentidos, olorizam,
e aos olhos encantados colorizam
os recantos diversos do vergel.

Florações que o cenário valorizam,
enfeitam ao mesmo tempo a terra e o céu,
sob a ação do divino menestrel!

OUTRA TEMPESTADE

Nos instantes mais vivos dos desejos,
alma integrada ao cosmo dos meus sonhos,
desperto dos silêncios enfadonhos,
para ouvir da tua boca uns rumorejos.

Lá fora, o vento ronca seus bocejos,
protocola presságio assaz medonho,
enquanto junto a ti o amor imponho,
atendendo aos prazeres que antevejo.

De repente, os avisos que se amansa
o rumor tenebroso da procela,
pondo cobro às tensões mais opressoras.

Agora, impera os ares da sustança.
No quarto, a gemedeira me revela
que é de outra tempestade precursora!

LÁBIOS

Lábios carmins, pitangas atrativas,
grossos, ansiosos, úmidos, eróticos,
estimulando o instinto aos ais neuróticos,
na permuta – entreabertos - das salivas!

Regentes do festejo da lasciva,
conferem movimentos epiglóticos,
estabelecem ritos hipnóticos,
no encontrar-se da boca convulsiva!

Guardiões da língua astuta, ofídica e hábil,
servem ao tolo, ao grosso, ao vão e ao sábio,
moldados em simétricos tremores.

O lábio olvida a luz dos alfarrábios;
as línguas são agentes invasores,
entronando desejos redentores!

O AMANHÃ É MISTÉRIO

Arrebenta as correntes do teu medo,
mergulha nas torrentes da ousadia!
Tu queres vinho, eu quero teus segredos,
desvendá-los na tua anatomia!

Destroça teus fantasmas com euforia,
venera as minhas mãos, toca meus dedos!
Verás que, do teu corpo, a geografia
deles terá o império dos folguedos!

Assuma a transgressão dos teus augúrios!
Comemora a libido indisfarçável!
Entrega-te ao milagre dadivoso!

Ao encontro dos corpos, dos murmúrios,
viveremos mistério impenetrável.
E tudo será sonho, amor e gozo!
RONDA

Rondo teus olhos densos, misteriosos,
faróis perscrutadores, transcendentes,
iluminando vidas decadentes,
afastando-as de traumas nebulosos.

Rondo tua boca, sede dos conselhos,
portal das esperanças espargidas
sobre incontáveis almas sem guarida,
cujas condutas seguem teus espelhos.

Rondo teus gestos francos, teus sentidos
e o frescor matinal de rosas puras
que emerge do teu lábio enternecido.

Rondo, enfim, a lascívia mais segura
que escorre transparente da ternura
com que evocas os sonhos não vividos.

SENHORA DA EMOÇÃO

Penetro o norte augusto do teu passo,
sinto as águas profundas, misteriosas,
margeadas de florestas segredosas,
onde guardas teu ninho e teu regaço.

Na solidão da noite envolta em paz,
vejo teu rosto ao vento tropical,
a receber a essência estrutural
que brota dos processos naturais.

Teu corpo veludoso me emudece,
teus ais vibram nos veios das magias,
rendendo o assaz vigor das impulsões.

Voyeur, nesta aventura que ensandece,
sob o calor das minhas rebeldias,
és tu dona das minhas emoções!

HAVERÁ UMA SAÍDA?

Não venço o visgo, o abismo, as horas nuas,
andando alhures sem nenhum sentido.
Jornada vã, ao passo ensandecido,
na busca solitária que me amua!

Ao fim, procuro o quê, se fui banido
até da solução do último encontro?
Talvez, num desafio ou num confronto,
entre as razões, esteja eu já perdido!

Quem sabe me lancei numa procura
em torno de fantasmas, coisas mortas,
debilitado à força dos delírios?

Incisivo, porém, algo assegura
que ao término da busca alguma porta
acabará de vez com meus martírios!

NO AMOR, O MAIS-QUE-PERFEITO É VIVER

Poemas de pedra, de ferro, de aço,
tramando soluços, angústias e encargos,
nutridos na adaga, nos freios, no laço,
lavrados ao peso de esperas e embargos.

Saudades sem conta buscando o passado,
o vate se entrega ao versejo do sonho,
sabendo-se arquivo já morto e acabado
à luz dos desejos que o fazem tristonho.

Acorda, poeta, ao luzir do amanhã!
O ontem vai longe, sobejam lembranças,
fantasmas, vazios, silêncio e sofrer!

Desperta à beleza da vida mais sã,
aos versos tomados de canto e esperança,
pois, no amor, o mais-que-perfeito é viver!

MEU PORTO SEGURO

O intenso desejo desvaira e se agita
no denso silêncio do quarto e das ruas!
Navalhas e puas são minhas, são tuas,
é o pulso que avança, é o mistério que habita!

A força neurônica assume a guarita;
agora se inflama a emoção da alma nua!
Os corpos se entregam à regra mais crua,
sob a natureza segura e perita!

É a febre da ardência tomando o universo;
é o grito maduro do mais belo verso,
rendendo homenagem ao êxtase puro!

São sonhos, quimeras, enredos dispersos,
um mágico encanto que abraço e te auguro,
pois és nestas horas meu porto seguro!

DAR-TE-EI O UNIVERSO

Desejei teu sorriso, teu olhar,
teu coração, tua boca e as mãos macias.
Com vigor, me disseste que querias,
em troca disso tudo, o céu e o mar!

Lembro bem, respondi que concordava
e que tu poderias te apossar,
além daqueles bens, também do ar,
das nuvens e do tempo, eis que eu te amava!

Mas tu - que brincadeira de mau gosto!-,
pediste muito mais para ceder-me
teus atributos, causa dos meus ais!

No entanto, reconheço que o proposto
ainda é pouco e que posso oferecer-te
o universo e seus mimos eternais!

PARTIR

Para onde, não sei, mas partirás,
e os teus caminhos não serão os meus.
Estarei sob invernos procelosos;
tu irás para as blandícias do desejo!

Teu corpo e as emoções que nutrificas
penetrarão as trilhas doutras terras,
atrofiando a libido que me atiça,
transformando a lascívia em vã lembrança.

A praia repintada de sargaço,
águas revoltas, ondas, gaivotas,
já treinam a orfandade e a solidão.

Nuvens cinzentas, tristes, misteriosas,
serão as companheiras de jornada,
até que o sol desponte não sei quando!

INFINITO

Às vezes, sou meu lobo, instinto forte,
matéria de ascendência primitiva
que me traz preso à rédea restritiva,
a energizar meu pulso e minha sorte.

Não raro, sinto à volta a espúria morte,
pomposa, projetando a estimativa
da existência banal e rotativa,
no suceder das horas do meu norte.

Porém, repito, sou meu lobo às vezes,
rompendo as grades férreas das sanções,
sob os instintos de aço e de granito!
Aviso à foice não temer reveses!
Aviso à vida não temer senões!
Em breve, partirei para o infinito!

DESISTÊNCIA

O agora são coxas, são lábios, são seios,
são ternas palavras, trejeitos sensuais.
Meus olhos divisam nos traços normais
a doce miragem que acode aos anseios.

Arrumo a memória, manejo a lembrança
e ao fim me convenço que és sexo vivo,
forjada em carícias, reais lenitivos,
que assume o desejo do amor que não cansa!

No entanto, és ninfeta rendida aos hormônios,
perdida no mundo, nas mãos dos demônios,
que ao meu desejar só transluz incerteza.

Recolho o entusiasmo por tua beleza,
apago a visão que ensandece os sentidos
e afasto meu corpo dos sonhos bandidos!

VELHA PORTEIRA

Porteira antiga, agora uma passagem,
escancarada, livre e abandonada,
leva ao engodo atroz de uma miragem,
entrega ao forasteiro uma invernada!

O limo espesso, as eras e a friagem,
pátio silente, casa abandonada,
mostram que o tempo agiu com boicotagem,
transformando a memória em quase nada!

Centuplica-se, agora, a grasnadela
dos agourentos corvos milenares,
onde antes fora herdade colossal!

Sob as noites suspeitas, a cancela
range ao rigor das ondas dos lufares,
traduzindo a abrangência fantasmal!

DESTA VEZ, VEM E FICA!

Inventa uma mentira aos teus botões;
rebenta as rédeas de aço do senso ético;
manda às favas as ordens e as razões;
entrega-te aos anseios energéticos!

Luzem teus olhos dúbios nos senões;
teus movimentos tornam-se patéticos!
O que sofres são duras privações,
presságio artimanhoso, vil, profético!

Dói-me ver teu desejo adormecido,
teu corpo frio, outrora incandescido,
e um grito na garganta a sufocar-te!

Aproxima teu corpo enlanguescido,
dar-te-ei prazer até que tu te fartes.
No entanto, dessa vez, não me descartes!

ALMAS ENFADADAS

Explode êxtase intenso, nas alturas;
nada importa lá fora aos corpos nus.
O olor do ambiente é incenso que seduz
elevando a emoção à estremadura.

São segundos pujantes de euforia,
anulando a consciência mais segura.
A viagem encetada transfigura
a realidade dura em fantasia.

O corolário vivo dessa festa
constitui-se no instante do apogeu,
das sensações tão bem multiplicadas.

O retorno, porém, da heróica gesta,
a despeito de tudo o que se deu,
é uma aventura de almas enfadadas.

ENCONTROS CLANDESTINOS

Sinto saudades dos encontros clandestinos!
Dois corpos livres, leves, nus, cheios de amor,
sobre as alfombras dos capões, sem desatinos,
viagem da alma enlanguescida em puro ardor!

Ao suave olor das brisas, dádiva das flores
desabrochadas nos vergéis e na floresta,
desnuda a ninfa, seios túmidos em festa,
eu me perdia nos seus ais encantadores!

Näo me arrependo da lascívia satisfeita,
ao lado da mulher, amante e musa eleita,
nas tardes, noites e manhäs afrodisíacas.

Na agricultura dos sentidos, a colheita
será rendosa obra de luz e de afasia,
desejo augusto de silêncio e de ambrosia!

É ASSIM ÀS VEZES

As horas são chantagens, farsas nuas.
Os beijos são tramóias, precipícios.
Neste ror, as verdades dos hospícios
mancomunam-se ao viés das almas cruas.

Não prospera a esperança do reencontro,
data marcada ou fatos decididos.
Amantes, estarão sempre aturdidos
no universo abismal do desencontro!

Alhures, o horizonte sem futuro
dissolverá sentidos imaturos,
forjados numa quadra de promessas.

As ilusão dos amores extramuros
é transmudante, é sonho às avessas.
É o teatro das juras noutras peças!

TEMPO ACABADO

De súbito, aflora do peito uma dor
profunda e marcada por rara acridez.
É a luta sem trégua na busca do amor,
levando minha alma a sofrer na aridez!

Assumo os amargos, tristeza abismal,
entregue à leitura de cartas antigas.
À noite, em silêncio, relendo este mal,
empresto meu corpo à mais rude fadiga!

Se sonho acordado o retorno da musa,
trancado no quarto de sombras regado,
abraço o universo da história inconclusa!

Exausto, sucumbo, sofrendo meu fado,
lembrando desditas e mágoas intrusas,
firmando a certeza de um tempo acabado!

O AGORA É NOSTALGIA

Por mais que os meus anseios relutantes
procurem te esquecer, eu não te esqueço.
Afundo-me nas dores angustiantes,
sofrendo o que não quero e não mereço.

A luz da espera vã me ofusca o senso,
levando ao descompasso o coração.
Sobra da luta ingente que não venço
o amargo mais profundo e a frustração.

Entendo que o amanhã é outro dia;
outras serão as veias do sentir,
no processo primário do esquecer.

Ocorre que o agora é nostalgia,
desejo insatisfeito a me aturdir,
solidão sem fronteira a me render.

EXPECTATIVA

A flor do amor que colho agora é tua,
botão agreste, vaso de perfume.
Como o teu corpo belo, ele resume
a rosa rubra, meiga, doce e nua!

Ao teu desejo, empresto o meu costume
de venerar-te o porte pelas ruas,
sabedor que do orgulho não recuas,
mas ciente que és mulher sem azedume!

Prezo-te mais que tudo e não te esqueço;
vives dentro de mim como um segredo;
no teu amor, existo a transcender.

A esperar-te ansioso permaneço,
com a flor hoje colhida no degredo,
para por cobro, enfim, ao meu sofrer!

UTOPIA

És fera no cio rompendo florestas,
desejo indomado de impulso vulcânico,
entrega sem peias das zonas sensuais,
comando do instinto num moto-contínuo.

Sei bem da aventura encetada no leito,
volúpia de ninfa desperta às viagens,
congresso de arroubos levando ao desmaio,
vivência de um sonho de místicos ais!

Mas sofro a desdita sabendo-te longe,
nos braços de amantes, na entrega sem tino
dos beijos, dos seios, na flama das ânsias!

Nos redemoinhos da vida me encontro.
Saudades em penca, desfaço meus sonhos,
cedendo às angústias e à acerba utopia.

DESPERTAMENTO

No repente da noite silenciosa,
ao ferrete do amargo das esperas,
eis que lhe chega, linda e maliciosa,
quem não viria, mas chegou deveras.

A força transcendente da libido
assume o instinto puro do animal.
Ei-lo desperto, amante, enternecido,
sob a coberta do pulsar ventral.

Olhos nos olhos, bocas lado a lado,
sob a preliminar concupiscente
que arrosta a nervatura às impulsões.

Naquele quarto, há pouco tão silente,
eis corpos nus, acesos, animados
ao rigor das mais puras vibrações.

ORGULHO

Sei dos teus pecados, das tuas ardências,
das súplicas tantas que explodem na tua alma,
quando as sensações da lascívia te envolvem
e tu estás sozinha no quarto das ânsias!

Sei do desalinho da roupa de cama,
das mãos que se apertam, do ventre impaciente,
dos lábios sequiosos, dos teus seios túmidos,
das coxas deixadas ao teu travesseiro!

Tua alma incendeia, teu corpo se agita,
teu canto se faz langoroso gemido,
enquanto se esfumam as horas da noite!

Não frustres assim teus instantes lascivos!
Ativa teus sonhos e mata este orgulho
que, alfim, nos maltrata em atroz solidão!

REIVINDICAÇÃO

Transmudam-se os sentidos e outros tempos
acodem ao desespero nas procelas.
A sociedade acorda noutra cela
no universal presídio dos eventos.

Enquanto era sublime o sentimento,
justificando a sã filantropia,
hoje o repúdio à regra marca tento,
fundamentando o bem como utopia.

A dor da massa, então, faz seu protesto,
vindicando ao espírito social
a carta de intenções, um manifesto.

No abandono cinzento e carrascal,
o séqüito infeliz se sente resto
e exige se ab-rogue tanto mal!

TULIPAS

Flores do amor que colho, todas tuas!
São tulipas, ausência de perfume;
porém, iguais às ninfas, se resumem
belas misteriosas, meigas nuas!

Ao teu anseio, empresto o meu desejo
diante da flor, meu culto, minha figa,
que é a prova da emoção não muito antiga,
esculpida ao calor de mil ensejos.

Feliz, trago-te na alma, não te esqueço;
moras em mim, num canto de segredos;
dou-te tulipas, dou-te o próprio ser!

Esperando-te ansioso, te ofereço
estas flores colhidas no degredo
desde a primeira luz do amanhecer!

QUIMERA

Estranhos, como não, nessa distância,
trocando confidências ternas, puras,
num tratamento ao prumo da elegância,
ao zelo do elogio com ternura.

Sentidos explosivos, emoções,
carícias e promessas repetidas
nos sonhos madrigais, nas sensações
que em nossa alma sentimos refletidas...

Ao lado da lareira, bebo vinho.
Eis-me entregue ao pelego, na saudade
de quem sequer o corpo eu adivinho!

Sobre a mesa, papel, caneta e a herdade
composta pelos versos da verdade
abafando a ilusão dos meus caminhos.

NADA RESTA

Pressinto as forças cósmicas das horas,
transcendentalizando os ideais.
No espírito oprimido, o relampejo
da morte miserável me devora.

O frêmito do tempo lá de fora
é agouro transmissor dos meus presságios,
noticiando a presença de uma dama
conduzindo o capuz dos absintos!

Acode-me lavrar um testamento,
gravar o corpo inerte, frio e nu,
contra o asqueroso verme da imundícia!

Aos vivos, não pertence mais o morto!
Assume-o vorazmente o ser das trevas,
no ambiente putrefeito do sarcófago!

DEGENERAÇÕES

Arde o silêncio consumindo o tempo,
trazendo idéias de confusas metas.
A solidão consome o viço e as ânsias,
defenestrando as esperanças tantas.

A sombra avulta na alma fria e nua,
pedra e metal no coração sem força,
enquanto gira o corpo inerme em sonhos,
sob os moinhos das tragédias vivas.

Vozes sem boca, edificando o medo,
passeiam livres ao redor da espera,
assoberbando a carga estranha e bruta

que em vão trazemos sobre os nossos passos.
No caldeirão que ferve é só loucura,
é tiro, é soco, é sangue, é morte, é medo!

EM PARTE

De um pesadelo, atônito desperto:
saí das abissais escuridões,
da dor, da profundeza dos porões,
da tortura e da morte tão de perto!

Amargurado, acordo em norte incerto,
ao tremor de terríveis emoções,
sofrendo sob as trevas dos senões,
transmudada a existência num deserto!

Transpira o corpo entregue à prostração;
a memória vivaz mostra o retrato
do sentimento atroz que então vivi!

Vendo inerte meu pai, eis a emoção
da orfandade lavrada num contrato,
delineando que em parte eu já morri!

ARTISTA PLÁSTICA

A natureza deita aos olhos teus,
entrega-te os pincéis das belas-artes,
inspira-te à beleza até que fartes
ao comando de anseios corifeus.

Ao ver tulipas, rosas, margaridas,
vicejando nas telas do teu estro,
a própria primavera colorida
aturde-se na dúvida e no sestro.

É pérola teu sonho divinal,
ornato que realiza obras de encanto
aos meus olhos surpresos, de acalanto.

Mulher, amiga, artista, um bom sinal
que abraça a poesia universal,
pondo cobro ao amargo, a dor e ao pranto!

PARTIDAS SUCESSIVAS

Toda a ancestralidade agora sinto
dos que legaram a forma da genética.
Milhares de anos foram puro instinto,
no suceder das ânsias mais frenéticas.

A perscrutar, o espírito se arvora,
percorrendo os milênios tão distantes,
ao aguardo do tempo de ir embora,
vagar à eternidade irradiante!

Neste repositório que é passado,
de avós formando o texto do que somos,
choramos as partidas mais recentes.

É que entre o avô e o neto contristado
estão o filho e o pai dos microssomos,
no intimismo de dores tão presentes.

AMOR E VIOLÊNCIA

Toda a agressão é a antítese do amor,
pois deste aflora a vida e a poesia,
enquanto da violência emerge a dor,
o luto, a ira e a apócrifa heresia.

No primarismo rudo das paixões,
onde se nutre a cólera do caos,
ressumbra o instinto reles dos vilões,
formando contingente de homens maus.

Qual natureza assume esta desgraça,
se o milagre da vida nos conduz
ao sonho, à sorte, ao riso, ao canto e à luz?

Que a força da criação que nos enlaça
esparja sobre os homens sua graça!
O instinto hostil em nada nos seduz!

FUNERAIS

Ah, essas mãos terríveis, mãos de peste,
nuas, ásperas, frias, indecisas,
não são as mesmas mãos, então precisas,
do labor e carinhos incontestes!

Na despedida, lembro-me do adeus,
da vigorosa festa da esperança,
dos últimos encontros, da confiança
que trazia nas mãos, nos gestos seus!

Sem viço, arrumam-se acabadas,
guardando os calos vivos da aventura
custodiada aos carinhos doutros ais.

No entanto, agora a história é relembrada,
porque as minhas mãos na desventura
prometeram presença aos funerais!

GEMIDOS

Recordo a mureta do cais e nós dois,
sob o olor das algas, perfume das brisas,
ao murmúrio doce das ondas nas pedras,
palco das traineiras bailando silentes.

Um belo crepúsculo enchia o horizonte,
no enquanto do encontro dos corpos sensuais.
Meus dedos brincavam na tua cintura
e as mãos resvalavam no abismo das ancas.

Arfavas rogando carinhos e beijos;
teus seios pulsantes saltavam da blusa,
buscando a carícia da língua e dos lábios.

Aos últimos trilos das aves marítimas,
aos últimos raios da tarde desfeita,
abrimos a noite aos gemidos das ânsias.

LATIFÚNDIO IMORAL

Num piscar, os incautos são driblados
sob o manto abusivo dos falsários.
A regra é o surrupio e vale tudo,
nas sub-reptícias emoções.

No afeto engodatório dos calhordas,
órfãos, velhos, crianças e viúvas
soçobram indefesos e esmagados
pelos ardis das burras vivaldinas.

Avulta o latifúndio dos cretinos
sobre a herdade dos bons, dos sem malícia,
da sociedade vítima das petas!

Que a borduna moral do Judiciário
ceife a ação delitual dos ardilosos,
reimplantando o sossego nas comunas!

LIBIDO ARROJADA

Espero teus seios rosados e rijos,
teus lábios passivos, carnudos e doces.
Aguardo ansioso a umidade das coxas,
para energizar minhas mãos e minha alma.

Quero o teu murmúrio aliciando os sentidos,
o beijo indiscreto na dança das línguas,
os pêlos macios na pele sensível
e o corpo no corpo ao pulsar dos instintos.

O sonho é maduro; o desejo é infinito;
a espera é tensão que avoluma no peito,
no multiplicar das batidas cardíacas.

O ambiente é libido arrojado à explosão,
é trama a espreitar o gemido do êxtase,
enquanto os instantes da noite se esfumam.

GANHARÁS O UNIVERSO

Pretendo ter-te toda, conquistar
cada espaço do corpo envolto em seda.
Assim no mais, quem sabe, tu concedas
de uma vez só teus ais e o verbo amar!

Ambos lascivos, nus, num relampejo
transpassarão os círculos do tempo,
no encontro inaugural dos ais ao vento,
rompendo em gozo ao som dos realejos!

Despojado aos teus lúbricos desejos,
corpo imerso em tremores de ânsias tantas,
terás ao lado teu quem tanto encantas!

Na impulsão das ardências, ao ensejo,
ganharás o universo que antevejo
consagrando o amor que tanto cantas!

SONHO RARO E LEDO

Dá-me de beber teu murmúrio, teu segredo;
dar-te-ei amor ilimitado e tudo o mais,
durante o tempo inebriante do degredo
que, com certeza, na tua alma aviarás.

Ao lado meu, sob a ternura do aconchego,
ganharás meu calor, carícias sonhos tais,
que a um pensamento induvidoso logo chego:
esse degredo para sempre manterás!

E a descobrir a cada dia os teus enredos,
fará Justiça a decisão que tomarás
de não me ver em liberdade muito cedo!

Ao descobrir-te por inteira, dar-te-ei paz,
pois que terás vivido um sonho raro e ledo,
que a todo custo prolongá-lo tentarás!

SOLUÇÕES

Farfalham folhas secas, outonais.
Um lúbrico desejo me alucina.
Agito-me confuso e em cada esquina
convenço-me de que aparecerás.

As horas se sucedem, tu não vens.
As emoções explodem no vazio,
ratificando o amor que me sustém,
enchendo-me de ânsias e de frio.

A crença que impuseste à minha espera
materializa a fé em ter-te um dia,
sob o comando azul das sensações.

Entregue à monolítica quimera,
transformo o meu o instinto em rebeldia,
até que encontre a luz das soluções.

PECADOS

Soletrarei à luz dos teus pecados,
- pois és também arguta pecadora -,
aqueles da luxúria redentora
e os que apenas pensei, mas são lembrados.

E ao revelar-te tudo o que a alma fora,
no aventurar-se além do sonho alado,
certificar-te-ás que o aprendizado
rendeu-me alma lasciva encantadora!

Soletrarás, após, os teus pecados,
à sombra dos que enfim te confessei,
sem te esconder a mínima faceta!

Ambos, então, espíritos curados,
dar-nos-emos ao beijo que sonhei,
rumo ao maior pecado do planeta!

DESCANSO

Ei-lo na rede, após a pescaria,
a descansar, sereno, da labuta.
Recebe o vento à sombra do coqueiro,
recebe o sonho à luz da paz de espírito.

É o velho pescador, dono do mar,
dono da vida livre, da aventura.
Às tardes mormacentas deixa o oceano,
deita-se ao som das ondas e das aves.

Outrora vigoroso e destemido,
vencendo as tempestades e os naufrágios,
agora é servo atento das lembranças.

Andorinhas-do-mar daqui a pouco
Chama-lo-ão mais uma vez à lida,
num ritual antigo e misterioso.

O HOMEM DO MAR

O cheiro do mar, na odisséia que enfrenta
ao lado das ondas - saudade, sol, sal –,
modifica o homem, transporta sua alma
às ilhas da infância já tão castigadas.

Seus olhos se atiram às longas distâncias;
sua alma deambula perdida, sem norte.
Os ventos gerais sacrificam seu barco,
sacodem seus sonhos e as redes vazias!

A convicção de que o tempo passou
reside no cheiro das águas revoltas,
volvendo a lembrança às andanças marinhas.

Seu barco navega no mar da utopia,
os olhos embaçam, as mãos tremulejam.
O agora é naufrágio de sonhos antigos!

ANCIÃO ESMOLEIRO

Na miséria noturna e silenciosa,
o frio intenso açoita a carne nua
da velhice rendida e estertorosa,
diante dos cães, dos gatos e das ruas.

As notícias ressaltam dos jornais,
revelam-se colchão desguarnecido!
No sono, sonho rudo e carcomido,
travesseiro das dores colossais!

No silente sofrer, revela o pranto;
saudade acerba brota em desencanto,
sob o desprezo vil do desconjuro!

Mãos estendidas, doces acalantos
- foram socorro a aflitos e inseguros!-,
hoje são esmoleiras sem futuro!

ROSAS

As Rosas do mês de setembro balançam,
na festa das brisas chegadas do mar.
São virgens, são dóceis, são belas e amigas,
são rosas vermelhas de mágico olor.

Lá fora, as areias, o sol e os rochedos
entregam-se mudos perante a janela,
portal do teatro das rosas na jarra,
ao doce farfalho das alvas cortinas.

As rosas são temas que induzem a verdade
de um tempo coroado de amor e esperança,
regado a mistérios de encantos sem fim.

Ah, rosas antigas, maduras, intensas!
Ah, rosas do amor, da luxúria, dos éteres!
A vida exubera! Sois bálsamo da alma!

PLANTAÇÃO DE TULIPAS

(A tela “Plantação de Tulipas,da artista plástica
Guiomar Baldissera - capa do livro -, inspirou este poema)

Há muito encanto, há flores muito belas,
púrpuras, amarelas, onduladas.
Ao canto matinal, aves sem peias
dão vida a natureza matizada.

Erguidas sobre talos apontados
ao céu de transcendente azul anil,
aprumam-se no espaço campesino
para a estação da cor: a primavera!

Verdadeira pintura a deslumbrar,
eis o belo cenário da criação
deleitando a visão do ser humano!

São flores mui formosas debulhadas
sobre o verdor silvestre das campinas,
que atendem pelo nome de Tulipas.

NÃO DEMORES!

Aguardo-te ansioso, veias tensas,
entregue às impulsões do amor-abismo,
mascando as ordens tantas dos instintos,
sob o férreo tremor do corpo ativo!

Esperam-te lençóis alvos e frescos!
Debruçarei tuas ancas na almofada!
Teus lábios beijarei no afã das ânsias,
sob teus ais, teus gritos e gemidos!

Não demores, mulher, todo teu cio
será bandeira ao vento da libido
neste morrer de tarde em minha cama!

Não me atires ao meu próprio prazer,
solitário, sonhando com teu corpo,
a talhar meus lençóis com desenganos!

DISCURSOS INCONSEQÜENTES
Na fala inconseqüente dos afoitos,
proliferam conceitos comezinhos.
Na corrosiva voz da insensatez,
recrudesce a solércia na linguagem.

Os homens de honra e fibra se sustêm
ao freio inibitório do senso ético.
Porém, no mundo anódino dos biltres,
exala a fetidez dos imorais.

Infame necrotério de patifes,
eis as difamações, eis as injúrias,
eis as calúnias torpes congraçando!

Discursos do mais vil dos banditismos
eclodem dos tribunos sem caráter,
À luz canalhocrata das mentiras!

HIPOCRISIA

Há silêncio nas ruas, frialdade.
Evoluções funéreas e tristeza
brotam a cada esquina, com certeza,
sob o rito nojoso da maldade!

Há vazios nos gestos sobre a mesa,
ausência de calor, de caridade;
sobrepuja a total asperidade
nas almas sobejadas de avareza!

Vivendo sob os ventos outonais,
ao gosto da miséria mais profunda,
anciãos moribundos se aniquilam!

A solidariedade dos jornais
lançados à sarjeta mais imunda
é a dádiva dos ricos que cavilam!

DESTINO

Sobre as dores tamanhas que me assaltam,
por mil multiplicadas desde o início,
esclareço a razão dessa odisséia
estampando a ascendência mais primeva.

Sou caixa de segredo hereditário,
montada em gerações de antigos genes.
Trago bandidos rudes, salafrários;
homens de honra, aprumados e virtuosos.

Esse estado bifronte que se arruma,
quase embate animal a compungir-me,
sintetiza o sofrer que me atassalha.

Qual a razão central deste fadário:
viver envolto à vida dos enleios
para servir de liame às gerações?

TEU ÚLTIMO OLHAR

Lagoa dos Patos, encanto dos Pampas,
à luz das estrelas, do luar, das candeias,
nas noites de amor ao murmúrio das águas,
das ondas revoltas batendo no cais!

Morada das ânsias, do abraço e do beijo,
dos corpos candentes, quimera e prazer!
Visão do horizonte, do barco fantasma
que chega sem nunca chegar ou partir!

Assumo meu passo de dor e saudade,
trilhando a utopia dos meus desencontros,
rendendo-me aos ecos dos ais, dos gemidos.

À margem do tempo, tu és a miragem
vestida de branco no cais da partida,
negando à minha alma teu último olhar!

ANTES QUE AMANHEÇA

Remexo-me no incêndio das províncias,
penetrando subúrbios sem barreiras,
forçando as horas frescas das manhãs,
carregando a marmita dos apitos.

Garoto-propaganda das quimeras,
recém-deixado à margem da utopia,
ajeito o brim surrado do uniforme
para enfrentar as filas do outro mundo.

Mecânico gestor do arroz com ovo,
marcado pra morrer em data incerta,
engulo as emoções em tiras vivas.

O coração da fábrica é de pedra.
Meus pés mastigam ruas de aço puro.
Quero sumir bem antes que amanheça!

LEGADO

No inconsciente confuso e indecifrável,
imagens distorcidas, fantasmais,
alinham-se à balbúrdia da ascendência,
numa revolução de angústia e medo.

Há muitos sons estranhos, limo e pó
nos lugares antigos do meu sangue,
mostrando-me a tragédia sucessiva
que desemboca negra às descendências.

Ao ver-me nos milênios da criação,
acocoro-me à margem das idéias,
tentando um entendimento sobre a vida.

Também hoje reflito sobre as chagas
profundas e antiqüíssimas que trago,
como guardião dos males das heranças!

OLHA ATRÁS

Ao saber que nasci para viver
e ao sentir que viver eu não vivia,
perguntei para o mundo o que faria
pra acabar de uma vez tanto sofrer!

E jogando perguntas pelos ares
sem, no entanto, obter resposta alguma,
conduzi minha nau por estes mares,
amargurado pela vida em suma!

No entanto, certo dia alguém me disse:
“Por acaso tu pensas que viver
é aventurar-se somente sobre a sorte,

ou ter aos pés a vida que sorrisse?
Olha atrás dos teus passos a sofrer
a multidão para a qual só resta a morte!"

CARNEIRO DAS SUCESSÕES

Toda ancestralidade agora sinto,
nos legados egressos da genética.
Milhares de anos foram puro instinto,
abismo, escuridão, pulsões herméticas.

A perscrutar, o espírito se arvora:
antigo e dos milênios tão distante,
ansioso espera o instante de ir embora,
vagar à eternidade conflitante!

Neste repositório que é passado,
dos bisavós, contexto do que somos,
choramos as partidas mais recentes!

É que entre o avô e o neto constritado
está o pai, a voz dos microssomos,
legando-nos as dores mais pungentes!

SENSUALIDADE

Quero o gesto das mãos como brinquedo,
seja o teu beijo pura fantasia.
Ao lume da ilusão que se faz chama,
decifrarás o amor devagarinho.

Ao inteiro dever do verbo-encanto,
entrego a frase ativa do meu sonho,
para, em volteios, livres de pressões,
fazer-te entregue aos jogos sensuais.

Na quietude da noite faço festa,
com meus versos elétricos, sem rima,
encobrindo as entranhas do desejo.

Mas quando finalmente despertares,
sob a maturidade dos anseios,
serás sensualidade à flor da pele.

TUA BOCA

Tua boca é verbo forte, belo e intenso;
é verso sem medida; é canto nu;
é abismo projetando à imensidão
o gemido apertado em línguas tensas.

Tua boca é a primavera do desejo,
que esparge o olor maduro das florinhas,
quando o corpo inteiriço se habilita
ao frêmito dos êxtases sem freios.

Tua boca se transforma em precipício,
quando tomo teu rosto em minhas mãos
e mergulho nas chamas dos teus olhos.

Tua boca é a fonte, o início dos sonetos,
onde deflagro as ânsias da libido,
em busca do tremor dos lábios teus.

SERVIR DE LIAME ÀS GERAÇÕES

Sobre as dores tamanhas que me assaltam,
por mil multiplicadas desde o início,
esclareço a razão dessa odisséia
estampando a ascendência mais primeva.

Sou caixa de segredo hereditário,
montada em gerações de antigos genes.
Trago bandidos rudes, salafrários;
homens de honra, aprumados e virtuosos.

Esse estado bifronte que se arruma
quase embate animal a compungir-me
sintetiza o sofrer que me atassalha.

Não sei se é azar ou sorte a nossa sina
de receber da vida tanto enleio
para servir de liame às gerações.

HEREDITARIEDADE CORROMPIDA

Enquanto a morbidez do instinto humano
ratificar presença nas condutas,
como obter a exata solução
para os graves problemas sociais?

Inteligências magnas sucumbem,
diante da vil fraqueza do caráter.
Ao pó e à lama pútrida lançaram
quem já foi bom e que hoje vale nada.

Os mistérios que guardam as profundezas
da psiquê sofrida pelos séculos
dão mostras da difícil indagação.

Explicando, o atavismo não consegue
justificar as tristes conseqüências
da hereditariedade corrompida.

CÓDIGO PENAL PARA OS HONESTOS

O espírito liberto da cambada,
que se dedica ao crime e fica imune,
confirma a superior condescendência
dos códigos penais de todo mundo.

No atrevido rompante dos achaques,
na festa da partilha delitiva,
prevalece o tripúdio sem-vergonha
sobre a moral já tanto solapada.

Justificando a débil Instituição
da reprimenda aos bárbaros desvios,
codificam-se normas absurdas.

Nesse trajeto anômalo de leis,
teremos brevemente sancionado
o Código Penal para os Honestos!

TRAGÉDIA DOS POETAS

A universal tragédia dos poetas,
que traçam versos sobre a sordidez,
dorme no ataque espúrio dos velhacos
que assomam no ostentar a carapuça!

Como veste esmerada de alfaiate,
ou luva que se ajuste à mão do dono,
os versos dos poetas também rompem
espíritos desnudos e devassos!

Quando emerge o patife escorraçado,
sob a força da peça literária,
poetas que se cuidem da peçonha!

Porém, ferido o pulha, ao rés-o-chão,
lança-lo-ão à rocha dos abutres,
na vitória moral da poesia!

IMPRESCRITIBILIDADE

Não sendo verdadeiro que se goste
de conviver com a lama social,
como explicar o aplauso de alguns tantos
ao instituto vil da prescrição?

Sob o meu céu, não morre o desrespeito;
o imoral não prescreve, é perseguido!
Alguém existirá que se imagine
capaz de deletar máculas da alma?

Ora, ora! Pensar nesse sentido,
isto é, sepultar nódoas morais,
só reparando os danos provocados!

O ato vil, aprendi, deixa indelével
as marcas ferreteadas no infrator,
pois a imoralidade não prescreve!

FOME

A semente da fome foi lançada;
por enquanto germina frágil, muda.
A agricultura infértil e maquiavélica,
ambiciona colheita de extermínio.

A multiplicação desordenada
desacredita os sensos demográficos.
No campo e na cidade, o que se vê,
senão a ingente luta lombriguenta?

Quais faquires lançados à redoma,
forçados pela crua situação,
entregam-se ao letargo dos silêncios.

No entretecer do enredo tenebroso,
preparam-se na escola dos famintos
para o vestibular da insanidade!

INDIGNOS

Apontam-se as manobras dos falsários,
descobrem-se os caminhos das serpentes!
É a guerrilha dos pulhas nauseabundos,
perpetrando o ativismo dos canalhas!

Atassalhando a corja do cinismo,
Achincalhando a torpe covardia,
Meu verso repudia as falcatruas
que há milênios carcomem a sã moral.

O sonho acalentado é ver por terra
as imoralidades que se avultam,
no contexto da escória repulsiva.

Deixar no front, após a luta, os biltres,
estendidos aos corvos e as hienas,
e festejar a queda dos pelintras!

DESILUSÃO

Alimento o desejo de dizer-te
que trago os mil mistérios das paixões;
mas vacilo, simulo olvido e flerte;
sobre o tema, encoberto as confissões.

Eis o que sinto, muito mais que tudo,
assumindo meu corpo, tomando a alma,
fazendo-me perdido e tartamudo,
edificando o caos, rompendo a calma.

Não me encorajo; assumo a dor e o pranto,
retraído em tristeza e solidão,
entregue ao descompasso da emoção.

Multiplicam-se o abismo e o desencanto,
anulam-se os sentidos sacrossantos,
no processo da vil desilusão!

PERITAS RATAZANAS

Nas reuniões dos trambiqueiros de gravata,
- belas laçadas, colarinhos engomados!-,
são projetados uns engenhos arrumados,
mostrando as trilhas de quem furta e de quem mata!

É tanta gente neste imbróglio misturada,
roncando grosso no vestir mais apurado,
que dificulta a distinção do ror safado,
a fim e que se veja a gang processada!

Enquanto a história desenrola caso a caso,
o contingente desastroso dos pastranas
pratica vis ações, conduta torpe e insana!

Neste roldão, a elite mostra seu descaso,
enquanto o povo permanece em prato raso,
cego à conduta das peritas ratazanas!

ABISMOS DO INFERNO

Saudade que chega, saudade que fica,
saudade que assume e esporeia minha alma!
Pergunto se a trama que teces às noites
são forcas fatais aos meus débeis sentidos!

Saudade que à voz traz embargo e lamento,
tisnando meu tempo de amargo profundo,
marcando meu corpo ao ferrete da insônia:
não tragas mais dores aos meus sofrimentos!

A vida que vivo, de sombras tomada,
não tem mais a luz e o vigor que suportem
os males que trazes nas noites de angústia!

Prefiro morrer afogado em meus prantos,
do que te aturar sob a dor dos meus dias,
tornando os instantes abismos do inferno!

ESPERANÇAS

Assunto esperanças guardadas acesas,
entregue ao labor do partir sem destino.
Projeto aventuras e amores distantes,
seguindo o trajeto da estrada sem rumo.

Libido aquecida ao fervor dos desejos,
o corpo se agita na busca da sorte,
seguindo o compasso do sonho que indica
o beijo e o abraço do êxtase puro.

O peito desnudo penetra caminhos,
é sanha incontida levada ao prazer.
Nos portos da vida, chegar é preciso,

deitando a emoção sobre os corpos entregues.
Assunto esperanças guardadas acesas,
que empurram minha alma a traçar novos rumos.

DESEJO

Teu corpo é mistério escondido num tempo
que ao tempo se lança em segredo abismal.
Teu corpo é a emoção atirada na areia,
sereia de encantos que mora no mar.

Teu corpo é brinquedo aos meus olhos de sonhos,
paridos do ventre do êxtase puro.
Por isso, me arrimo em desejos ardentes,
com os dentes trincados no instante da espera.

Teu corpo é floresta, é deserto, é oceano,
é emblema-colosso, é elemento vital,
é a festa de luzes que ofusca minha alma.

Teu corpo é a insistência da minha libido
que andeja em noturna e insistente emoção,
sonhando o milagre do encontro explosivo.

ARREMEDOS E PATIFES

O ser que emerge é trapo, é o anti-ser
da tramóia que estampa novos tempos.
É o mesquinho do arbítrio, o desprezado;
é o dono da emoção dos rebotalhos;

é o pária que permeia as ilusões,
a chancelar insípidas sentenças,
sufragando discursos mal forjados
ao rigor de moral parcializada.

Não largarei sem rumo as ordens pétreas,
princípios que enobrecem a raça humana,
em favor de arremedos e patifes!

O povo esfrangalhado jaz perplexo
diante da corja pútrida e imbecil
que empurra nossa pátria para o abismo!

INSINUAÇÃO

Entrego-me à recíproca do abraço,
à mornidão do corpo, aos seios túmidos,
rendendo-me lascivo ao teu regaço,
aos teus olhos febris, curiosos e úmidos!

Tuas mãos de seda atiram-se às carícias;
teu pundonor se aquieta; emerge a ardência
aureolada à libido com cadência,
visando as transcendências e as blandícias!

Eu, meigo, acudo todo teu desejo,
dou-me à libido, vibro sem ter pejo,
enlouquecido com as doidices tuas!

No apronto da peleja, mais um beijo,
almas em transe, puras, lindas, nuas,
iniciando a aventura que insinuas!

TRAMA

Na trama contínua que envolve o meu ser,
evoco as lembranças de mágicos tempos,
vivendo teu corpo nas horas de engano,
com os olhos cerrados aos duros instantes.

Sei lá onde estás neste agora emotivo,
mas juro que sinto a vontade cigana
de ter os caminhos aos pés dos meus passos
e então procurar-te por todos lugares,

até que eu encontre teus olhos nos meus.
Menina, teu corpo é segredo bandido
fazendo sofrida esta espera sem fim.

Que a súplica seja atendida por ti,
a fim de que faças teu corpo estender-se
ao lado do meu, numa alfombra de amor.

VENTURA ACESA

Não te direi agora tudo. Não.
Há desejo incontido de escrever-te.
Como não haveria, se minha alma
de tanto amor explode de emoção?

Mas revelar os sonhos, todos eles,
é impulso que contenho a todo custo,
até que num momento se avizinhe
a hora derradeira dos limites.

Não sei a quantas anda o teu destino,
os teus desejos e ânsias reprimidas,
nessa ventura acesa que te rendo.

Eu te diria tudo, sem problema,
Mas se o teu coração descompassasse,
A requerer as minhas confissões!

VERMES

Ouço lá fora os passos decididos,
sobre as folhas do outono já tardio,
do mensageiro negro de além túmulo.
Vem levar meu amigo mais chegado

que no leito de dor conclama a morte,
qual moribundo e trapo em desespero.
Chegando, o encapuzado não reclama
que o tempo da partida seja tardo,

pois sente o amor que ainda o prende à vida
e a força da ciência que o mantém.
Mas do leito ressona aflita súplica

requerendo o desate da alma pura,
porquanto se antecipam no banquete
os desassossegados vermes vis.

FOGO-FUGA

O sonho inatingível me persegue,
a rosa murcha da esperança sofre,
o tic-tac do relógio pára.
O sonho inatingível me persegue!

A obra transformada em lantejoulas
é terra desgraçada, não produz.
Os ossos coloridos que derretem,
são lavas a escorrer dos olhos tantos,

transmitindo a emoção da dor perene.
Vingam as ervas daninhas da tragédia.
Ah, sonho inatingível que persegue

o eremitão que foge a todo custo!
Estrada pedregosa, trilhas ásperas,
infância confundida em fogo-fuga!

SUBTRAÇÃO DA FÉ POPULAR
(1996)

O nosso ordenamento social
há muito é espicaçado por quem tem
a obrigação legal de preservá-lo.
É contingente imenso de farsantes!

São filhos do sufrágio popular
-e espanta que estes partos tenham êxito!-
É gente criminosa, é corja vil
prometendo à comuna a redenção!

Discursos dissonantes, malsinados,
carregados de engodo, hipocrisia,
depauperam a fé do povo crente!
Interesses bandidos se agigantam
sob a coberta espúria e fraudatória,
lesando a Pátria Amada Idolatrada!

DE VERSO EM VERSO

O que jamais vivi, revivo intensamente,
lavrando a história da ilusão sem preconceito,
sentindo minha alma em devaneio, livre e nua,
cantando o que foi sonho em versos de prazer.

Desnudo amantes que não tive, dou-lhes beijos,
sinto seus corpos nas alfombras setembrinas
e alcanço o êxtase seguro nos mistérios
da conjunção do amor, das ânsias e da paz.

No dadivoso mergulhar da alma nos sonhos,
emerge o esteta e a inspiração concupiscente,
multiplicando a poemática do enlevo.

De verso em verso, pois, meu canto assume as horas
do que jamais vivi, mas que sempre senti,
acorrentado à dor, à farsa e à frustração.

BANALIDADES

No gigantismo das polêmicas banais,
onde o debate se acalora em força fútil,
a causa nobre é postergada para o inútil
e as abjetas conclusões vão pros anais!

E nesse enredo inglório e parco faz-se a História,
move-se o mundo na engrenagem do absurdo.
Vinga a miséria, a fome, o crime e a dor notória;
segue o Poder rendido, cru, cínico e surdo!

Enquanto afunda o ser humano em dor pungente,
amalgamado à vida espúria da incerteza,
o congressista microcéfalo nos mente!

Dormindo a pauta da verdade sobre a mesa,
pelos quadrantes, infortúnios se ressentem,
dando-se conta, nos discursos, da vileza!

COBAIAS

Acordar para os túmulos que um dia
abrigaram avós da eternidade;
sentir que somos toda a quantidade
dos milenares truques da eugenia.

No processo incessante que aprimora,
assusta ver o ser dono da herança
que o transforma na bomba da esperança
pelo futuro afoito que o devora!

É que emergem conflitos da consciência
(de gerações, morada inexorável),
por entender que é parte da experiência.

Sentir-se, pois, um ser exterminável,
meio-termo nos testes das ciências,
terrifica nesta obra interminável!

UM POEMA DE VERDADE OU À VERA

Mulher guerreira e livre, eis o que és,
vergastando as elites raposeiras,
este que é o fruto ambíguo das sonseiras,
submetendo o povo humilde aos pés!

Mulher sagaz, sensível,amiga e justa,
de ideário fundido em ação concreta,
marchas sem medo à luta mais discreta
assegurando a paz à Pátria augusta.

Tua voz se alteia contra o escroque e o vil,
politicalhos do grupo escurril,
tecendo trama em busca do poder.

Vai! Segue em frente! É hora de entender
que a corja astuta é escória no Brasil
e não demora muito a se render!

...E TU NÃO VENS!

Mas eis a natureza: mulher-ninfa,
sensualidade pura, anjo explosivo,
retrato do desejo ebulitivo,
sob o encanto dos lábios e dos seios.

Ah, sonho de algodão, sonho de nuvens,
calor a temperar-me as ânsias nuas!
Ouço tua voz, teu corpo ronda o quarto;
mais uma vez me quedarei sem ti!

Conheces (e quem não?) as ilusões
forjadoras do atônito esperar,
à luz das sensações e dos torpores!

A libido se espraia sem fronteira,
o tempo escorre solto à noite fria
e tu não vens matar os meus vazios!

PENÚRIA

Sou homem, és mulher, somos dois seres,
heranças do milagre mais primevo,
trazidas ao presente em doce enlevo,
sob a constância viva dos prazeres.

Marcamos nossa carne e as nossas ânsias
ao rigor mais antigo dos costumes.
É que no amor não vingam discrepâncias,
e no êxtase não há dor ou queixumes.

Sensações primitivas, puro instinto,
confesso-te ao dizer-te que não minto,
ao reafirmar meus sonhos de luxúria.

Na madrugada fria, o que mais sinto
é a distância agourenta, atroz e espúria,
rendendo-me saudades e penúria.

DOIS BARCOS

Exubera cenário de magia;
avulta a penedia no horizonte,
contraforte das ondas tempestuosas
junto ao mar de ordinário em mansidão.

No firmamento, cirros multiplicam-se,
estampando no céu azul-anil
figuras de objetos, gente e monstros,
como num teatro infanto-juvenil.

Exsurgindo no palco dessa festa,
dois barcos ancorados lado a lado
ao vento alísio traçam seus destinos.

Um par de embarcações em tinta e cera,
entregues a mistérios, solitárias,
é obra da pintora Baldissera!

O GATO BRANCO

Encontrei na calçada à noite, exausto
e abandonado, um lindo gato branco!
O coitado miava à luz da lua,
talvez sentindo fome, sede e frio.

Agora ronca e dorme a sono solto,
sobre pelego fofo, seu presente,
depois de tomar banho de água quente
e após jantar um peixe e tomar leite.

Coração explodindo de euforia,
ao ronronar sem freio, em novo lar,
ei-lo modelo nu às pinceladas!

Como se vê da tela que o retrata,
o felino está gordo e bem feliz,
no ateliê da artista que o acolheu!

AOS PECULATÁRIOS DA REPÚBLICA

Quem és, vil passageiro da existência,
corrompedor da fé dos miseráveis,
dono da ação doentia do escalpelo
sobre as vítimas nuas da exclusão?

Quem és, lorpa imbecil, riso de hiena,
ratazana dos breus subterrâneos,
baba de cão raivoso, doidivanas,
mutilador dos sonhos infantis?

Rogo-te praga, berne de mosquedo,
para que morras seco ao sol a pino,
ao lado da imundície das sarjetas!

O dono da agonia serás tu!
Serás excomungado para sempre!
Teu coração será pasto de urubus!

SAUDADE

Ardência incontida percorre meu corpo,
ao tempo em que sinto um aperto no peito.
Voltar! Que desejo impossível este verbo
roclama aos sentidos tomados de dor!

As horas findaram; os beijos e abraços
são sombras de arquivo de antigos desejos.
Ah, quanto te quis nesses dias vazios!
Ah, como sofri sem teu cheiro e tua voz!

Orgulho sem freios travou meus impulsos,
enquanto os meus dias ao pranto cederam,
minando a existência ferida de morte.

Teu tempo, tua vida, teu corpo, teus ais,
teus sonhos tão simples, mas cheios de graça,
perdi tudo, amor, à exceção da saudade.

VEIAS SEM SANGUE

Volúpias sucessivas que se esfumam,
no abrir e no fechar dos olhos úmidos.
Eis-me, então, no enquanto das vontades,
nuvens que se desfazem, sonhos findos.

Essa espera sem tempo é espera tensa,
fugazes emergências dos impulsos.
O gesto, o olhar e a voz estão distantes,
acompanham-me as sombras e os fantasmas.

Nas esquecidas folhas, sobram versos,
edificados sobre cinzas frias,
tentando resgatar tensões antigas.

Estamos sem estar, veias sem sangue,
como as noites morrendo nas manhãs,
como as ondas deitando nas areias.

AMOR INDESEJADO!

Com ardor, cantei o amor sem freio, inesquecível,
nutrido à intensa luz de uma paixão ardente!
Por esse amor sofri tortura contundente,
no desnorteio amargo e insano do impossível!

À luz do amanhecer, a imagem bela e nua
emerge resplendente, encanto etéreo e doce.
E de repente a dor é realidade crua,
toda aquela ilusão do que eu sonhara fosse!

Agora, frio e mudo, entregue às horas mortas,
ao rigor tumular do que restou e existe,
não quero mais sofrer esse amor que a alma exorta.

Olvidando de pronto a voz que ainda resiste,
tento abrir de uma vez a venturosa porta
para entregar-te ao léu, levando os meus despistes!

AMOR QUE SE ESFUMA

Rendo-me à incerteza do verbo mais cru,
dos teus gestos vagos, das noites vilãs.
A força explosiva do amor extremado
agora é porão de desejo mofado.

Deito ao som da rima perdida no tempo,
amor-desamor, desencontro, procura,
como um potro guaxo na relva do sonho,
entregue à amargura e à emoção terminal.

E a lascívia, os beijos, olhares, carícias?
Sei lá dos encantos, do mágico gozo!
Lançaram-se ao vento, desgaste das horas!

Agora teu corpo é miragem na areia,
ferrete abrasando a memória que esfuma,
levando as lembranças ao pó do esquecer!

SONEGAÇÃO

Participo das buscas ao teu lado,
procura indefinida, precipícios,
sob as manhãs incertas dos meus vícios,
aprendiz no teu corpo aventurado.

Se tanto eu desconheça desde o início
as razões do teu gosto inconformado
- tanto que ele é o escopo procurado -,
em ti não desconheço os artifícios!

A nudeza, tesouro que me entregas,
filha da intrepidez concupiscente,
transforma a lucidez em obsessão!

Perdido na refrega da emoção,
sinto a tua lascívia tão presente!
Mas noto que tua alma me sonegas!

SOMBRAS

As sombras noturnas das ruas estreitas
misturam-se aos vultos perdidos na noite.
São seres sem rumo fugindo do açoite,
buscando um destino mais livre de espreitas.

É gente esperando que a dor não se afoite
matando esperanças à luz das suspeitas,
forjando emboscadas no assomo das peitas,
nos vãos criminosos do horror da entrenoite.

Ao som dos latidos esparsos que ecoam,
ao passo inseguro do medo ante a trama,
as sombras sobejam, medrando desgraças!

Os cantos noturnos e antigos ressoam;
arruma-se o caos sobre o vil panorama,
enquanto a miséria se esconde da ameaça!

PÁRIAS

Colheremos o fruto do prazer,
nas árvores frondosas do labor.
O alimento colhido da inação
resulta da indolência, é sem valor!

O trabalho é a certeza inabalável;
nascemos para a luta, este é o destino!
Ao desprezar a lida e as emoções,
conquista-se o opróbrio e o desencanto.

Imensos contingentes vagabundos
vagam na ociosidade, improdutivos,
à vida marginal predestinados.

A universal tendência à malandragem,
que grassa qual intensa epidemia,
pelo mundo constrói currais de párias!

ACEITAREI O FADO

Instala-se um silêncio de mistério
no coração tomado de senões.
As multifacetadas emoções
encontraram repouso em monastério.

Antes assim: razão, tino e torpor
sirvam de manto augusto ao meu critério,
revelando ao desejo a luz do império
de uma força maior que o próprio amor.

Se no amanhã da espera tão sentida
eu colha os louros da difícil lida,
festejarei as dádivas com vinho!

Mas se em lugar do prêmio e da guarida
sobeje o sofrimento nos espinhos
meu fado seguirei sem seus carinhos!

DEUS POR UM SEGUNDO

Do amor, a chama ardente mais se aviva,
voluptualizando os meus sentidos.
Fogoso, o sentimento da libido
impulsiona-me e o corpo mais se ativa.

À sombra do prazer que na alma aninho,
diante da sorte augusta dos neurônios,
enfrento a força estranha dos demônios
e ganho o céu na cama em desalinho.

Se não bastasse a vida e a natureza
e as cores do crepúsculo extasiante,
dentro de nós trazemos outro mundo.

É um mundo mais vibrante, com certeza,
que empresta ao ser humano a delirante
sensação de ser Deus por um segundo.

NOVAS PELEJAS

Os corpos vibrantes se deixam apanhar
na mútua procura dos íntimos ais,
formando um só bloco de acordo emotivo,
ao som do murmúrio das vozes em festa.

Os anjos se esquecem da vida e da morte,
enquanto as canções das marítimas ondas
abafam gemidos dos deuses do amor.
Cumprido o prazer com o advento do êxtase,

os corpos se espraiam, prostrados, entregues.
A sombra da noite aproxima os amantes;
embalam seus sonhos, entregam seus corpos,

buscando o descanso que acena o amanhã
de novas pelejas, viagens sem conta,
aos novos impulsos do mágico evento!

CHÃO

O copo embica, o grito se esparrama.
O sonho é infinitude em alguns segundos.
Dedos podados, olhos de lampião,
rosnado agudo, pés fora do chão.

A sombra aturde, chega de mansinho.
Há pólvora espalhada pela noite,
há chumbo de balins no corpo quedo.
Enquanto isso, a palavra é verbo aceso,

rompendo esquinas mágicas sem nome.
O sangue se sustém negro e vermelho,
agora na calçada de silêncio,

aos olhos da esperança que se embruma.
O norte estremecido e sem fronteira
rasga o sentido tenso em gritos nus!

ROMPENDO ESTRELAS

Das fronteiras distantes, te acompanham
os colossais segredos da libido,
tornando-te sensual e desejada.
Hoje escondo a tensão que propiciaste

ao sistema neurônico do homem,
rompendo seus limites de luxúria.
Serás, ainda amanhã, doce mistério,
tomada em rebeldias, cios, tramas.

Então, eis porque rompes tuas selvas
e fico aqui rompendo estrelas tantas,
imaginando um verso que consiga

fazer-te entregue aos meus desejos puros.
Rompendo estrelas, sim, rompendo estrelas,
sofrendo a inspiração dos teus sussurros!

MURMÚRIO

Ouço o murmúrio tênue que me traz a brisa
E me entorpeço todo com a saudade intensa
dos bons momentos que passei, das desavenças,
do amor vibrante, às vezes quente, e até das brigas!

Ouço o murmúrio brando na alma entristecida
e faço aberto o livro inteiro da saudade.
E então pergunto: “Quantas, quantas foram as tardes
de intenso ardor que dediquei e que ainda existe?”

Ouço o murmúrio que me chega quase em vão,
Um reclamar plangente, assaz doído, intenso
Um lamentar choroso a me pedir perdão

Ouço o murmúrio e lhe respondo: “Não venço
neste meu corpo o entusiasmo e a vibração,
pela mulher que, num murmúrio, me deixou.”

DE REPENTE

Rompo em decrescente afago
descendo as mãos pioneiras
formatando o azul anil
paisagens do desejo

Desço e desço muito mais
ramos galhos folhas nuas
grama toca ebulição
fotografando emoções

Escarpas ventos vazios
eis-me escorrendo ao mar
maresia canto vivo

De repente louvo o grito
libido sonho maduro
e subo subindo o beijo

ÊXTASE COM ARTE

Quero sentir teus pêlos eriçados,
quando beijar tua nuca perfumada,
tomando-te por trás numa emboscada,
à luz de um erotismo enfeitiçado.

Refeita da surpresa, então beijar-te,
assumir por inteiro o corpo ardente,
sob a volúpia mais do que suficiente
para levar-te ao êxtase com arte.

Não seja de fumaça e de quimera
o reencontro, depois de tanta espera,
ao vigor da saudade e do desejo.

Façamos deste inverno a primavera.
Sobre os lençóis, arfantes, sob arpejos,
entrega-me tua boca para os beijos!

LEMBRANÇA

A emoção da lembrança pouco importa:
é resto, é cinza, é tempo remexido,
tantas vezes de fato não vivido,
que apenas nos ilude e não conforta!

Norte desencontrado, onde o sentido
revela-se exaurido e coisa morta,
aturdindo a memória e abrindo a porta
de fatos que se quer ver esquecidos!

Rumo incerto, procura indefinida,
sonhos vagos percorre o peregrino,
perdendo as horas caras do presente!

É sorte espúria a espera empedernida,
ilusão de veneno diamantino
de quem não terá mais o amor ausente!

NÃO ME DEIXES À ESPERA

Aguardo-te ansioso, veias tensas,
rendido às impulsões do amor-abismo,
mascando as ordens tantas dos instintos,
sob o férreo tremor da nervatura.

Aguardam-te lençóis em desalinho;
tuas ancas, renderei aos travesseiros!
Teus lábios beijarei no afã do gozo
sob teus ais, teus gritos e gemidos!

Não demores, mulher, todo teu cio
será bandeira ao vento da libido
neste morrer de tarde em minha cama!

Não me faças rendido ao prazer meu,
sozinho a imaginar teu corpo nu,
talhando os meus lençóis com o que desejas!

VAMOS, ACORDA!

Não pretendo a mudez. Quero assanhar-te,
bulir com teus neurônios luxurientos,
ver-te sorrir, correr de encontro aos ventos,
e que de liberdade tu te fartes!

Quero sentir teu corpo impregnado
do olor mágico e puro das florestas;
ao depois, nossos corpos lado a lado,
transformando os desejos numa festa.

O teu desejo vivo e ilimitado
explodirá no anseio do erotismo,
culminando no êxtase dos deuses!

Vamos, acorda agora e me acompanha.
Deixemos para trás este silêncio,
pois sei da tua ardência e teus tremores!

SOLITÁRIO

A tua boca rubra cheira a flor;
teus seios doces são duas romãs;
teus olhos, contas negras misteriosas;
as tuas mãos, tentáculos de amor.

Teu corpo é molde augusto da beleza;
teu beijo é aviso prévio dos prazeres.
És fonte inesgotável de ânsia pura,
nas noites luxurientas dos embates.

No lúbrico estupor das horas gratas,
entregas-te desnuda, amante eleita,
qual fera em cio intenso e sem limites.

São teus os predicados que enalteço,
após possuir teu corpo nos meus sonhos,
na aventura de um quarto solitário.

DANDO UM TEMPO

Quero-te nua, ardente, meiga e acesa,
sobre os frescos lençóis da minha cama.
No calor do desejo que se inflama,
fundiremos as almas com certeza.

Sem tempo de retorno, viajaremos
aos páramos tomados de blandícias
para provarmos, lá, suas delícias,
nos entrementes do êxtase supremo.

Quero-te agora, no ápice do cio,
no supremo festejo da luxúria
clamando-me por sexo com fúria.

Ao peso da memória, vivencio
teu corpo esfogueado e me alivio,
dando um tempo aos rigores da lamúria.

NÃO ME CONDENEM, NEM ME ABSOLVAM!

Sob a luz mais intensa dos caminhos,
levo o meu corpo e o livro aberto da alma,
mostrando os meus pecados, que são tantos,
lavrando em penitências, que são muitas!

Procuro a infinitude do destino,
na efêmera passagem pela vida,
na dor das horas sobra-me algum riso,
diante da chance aberta à eternidade!

Se a História do trilhar amargo teço,
sem prantos, atendendo à provação,
longe a condenação... nem me absolvam!

Desejo liberdade, prosseguir,
romper meus infortúnios, o meu fado,
poder de tempo em tempo ainda sorrir!

LABAREDAS

Seguro a tua mão verde e me aproximo
da ingenuidade doce dos teus olhos.
Teus ares são de ninfa ao desamparo
sob o universo astuto dos desejos.

E tremem tuas mãos, tremem teus lábios,
brincadeira instintiva da libido,
num milagre fazendo-te a mulher
que brota dos mais íntimos sentidos.

Este mistério empurra-nos aos sonhos,
encontro arrebatado, amor-limite,
ao comando das regras da criação!

A natureza ativa os teus impulsos,
agora és chama viva do erotismo.
Aprontemo-nos, pois, às aventuras!

INJUSTIÇA

Não falo por ninguém, falo por mim,
na selva magistral de homens – anões!
Na regra do repúdio, canto o fim
do caráter levado às servidões.

Indago: qual a força que ainda resta
de firmeza, dever, dignidade,
que se assoberbe numa grande festa
e denuncie espúrias inverdades?

Fazem da covardia uma virtude,
pincelando de mérito a omissão,
no contingente enorme que se atiça.

E sozinho, meu Deus, antes que eu mude
pra outra vida, aqui marco a posição
de quem sempre lutou contra a injustiça!

SILENCIAR

Na irreverência abrupta do afoito,
desconsolado e fútil, da tribuna,
sacode vitupérios e ameaças,
tentando sustentar o insustentável.

Ledo engano de quem se vê perdido
e parte pros insanos vis caminhos.
A Justiça, o Direito e a Lei consagram
o pensamento reto da Verdade.

E decretar que o mundo inteiro sofra
da obumbrada cegueira e da burrice,
é ser tão burro quanto o seu decreto!

Aquele que não cede aos sãos princípios
e aquele que boicota a sã moral
é torpe, é falho e deve silenciar!

DESERTO FRIO E ERMO

Acordo atônito de um sono de quimera;
em derredor, percebo a vida, a realidade.
Foram-se os anos, com eles foi-se a primavera
e o pesadelo de rompante é que me invade.

Vem-me à lembrança a história triste do abandono
das catacumbas solitárias do deserto.
A lucubrar, a paz eu perco e perco o sono,
sob emoção atroz, sentindo a morte perto.

Não que eu deseje a eternidade pra viver,
ou ter guardado o privilégio de escolher
o encontro aquele que ditasse o fatal termo.

O que carcome minha alma e faz entristecer
é o pensamento de que em breve irei morrer
sob as esperas de um deserto frio e ermo!

RAROS ENCONTROS

Quero a emoção dos beijos escondidos,
chantagem viva, rogo sem limites,
ao lume da lascívia traiçoeira
persuadindo a mulher que ainda resiste.

Acolho o titubeio da incerteza,
mudez e vozerio simultâneo,
nos rápidos encontros permitidos,
à luz da vela-amor indefinida.

Há montanhas de dúvidas perversas
afugentando a erótica impulsão
do desejo voraz e clandestino.

Entretanto, não quero que se esvaiam
esses raros encontros do prazer,
junto ao corpo sensual que me alucina.

ESTÁS PRESENTE

A sombra do pecado que te marca
é muro que se posta ao meu desejo.
O brilho dos teus olhos denuncia
a ardência do teu corpo erotizado.

Então, na febre lúbrica das horas,
trago meus nervos vivos em conflito,
porquanto estar contigo simplesmente
já é um revelar às vistas curiosas.

Assimilo, portanto, a condição
de viver afastado do teu meio,
sustentando hibernado os meus sentidos.

Asseguro-te, pois, que estás presente,
com teu corpo desnudo às minhas ânsias,
no universo da minha solidão.

A FOME QUE MATA

A História revela que um povo com fome
é escravo sem nome da elite soberba.
E quando se exalta, a oligarca carcome
as últimas forças da gente olvidada.

A fome derroga direitos banais.
Não há condições de manter liberdades.
Consome a família, adormece ideais,
eis que submisso se entrega o faminto

à vil condição de animal que não pensa.
Crianças na inânia sucumbem aos milhões,
enquanto suplicam no altar da oferenda

as mães que labutam à luz das desditas.
A fome que mata envergonha governos,
levando nações às vilezas morais!

REIVINDICAÇÃO

Transmudam-se os sentidos e outros tempos
acodem ao desespero nas procelas.
A sociedade acorda noutra cela
no universal presídio dos eventos.

Enquanto era sublime o sentimento,
justificando a sã filantropia,
hoje o repúdio à regra marca tento,
fundamentando o bem como utopia.

A dor da massa, então, faz seu protesto,
vindicando ao espírito social
a carta de intenções, um manifesto.

No abandono cinzento e carrascal,
o séqüito infeliz se sente resto
e exige se ab-rogue tanto mal!

ESPERAS

Há muito não sinto o calor do teu corpo.
Partiste em silêncio, deixando saudades,
propondo o retorno aos carinhos sem conta,
aos beijos ardentes... murmúrios, abraços!

Teus zelos, tua voz, os mistérios dos seios
tão túmidos, doces, pulsantes e mágicos!
Recordo o ofegar no quartel do prazer,
encontro noturno, libido sem rédeas!

Ah! Lembro as promessas do amor eternal!
Agora, a estrutura de minha alma balança,
abalo que sofro em virtude da ausência!

Meu sonho está vivo e a memória se inflama!
Assim é o versejo no agora silente,
enquanto haja força voltada às esperas!



O##O

A SEGUIR, SERÁ POSTADO O LIVRO "TUNA", uma publicação da Editora Zem, Teresópolis, Rio de Janeiro - 2008:

“TUNA”
-Poesias-

=

Editora ZEM – Teresópolis - RJ - 2008

#

Revisão: Professor Astolpho Vieira Thalles Ribeiro

#

Capa: Artista Plástico português MIGUEL WESTERBERG. Seus desenhos e pinturas, datados de 1984 em diante, encontram-se no site seguinte:
http://miguel-westerberg.mysite.com

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Este livro foi produzido no Escritório de Literatura LUIZ FERNANDO MATHIAS NETTO, situado na Rua Casimiro de Abreu, 68, Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro.

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FICHA CATALOGRÁFICA
*
cip-brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ
M379t
Mathias Netto, Antôni
Tuna: poesias/Antonio Kleber Mathias Netto – Teresópolis, RJ: ZEM,2008 – 162p.:
ISBN 978-85-99270-09-7
1. Poesia brasileira. I. Título.
08-1006. CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
13.03.08 14.03.04 005769
===============

DEDICATÓRIA

Ao amigo Herbert Henry Barwick (Bete), com saudades.

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Muitos se perdem em poças d’água, enquanto alguns percorrem oceanos sem perder o rumo.

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ÍNDICE

Soneto
Rendas e Teias
Fugacidades
Vida, Fome, Morte
Dúvidas Perversas
Preliminar do Fim
Mudanças
Sofrimento
Não me Negues Agora
Promessas
Últimos Avisos
Ser Transcendente
Herança
Agora é Tarde, Muito Tarde!
Cultivo de Saudade
Vem
Sonho
Hoje Sonhei
Renúncia
Mortalha
Da Musa à Dor
Quero Ver-te Feliz
Rodeio de Paixões
O tempo Escoa
Viagens
A Musa e o Caos
Assuntar Recordações
Do Jeito que Queiras
Alguns Beijos Frios
És Águia
Graças Feminis
Mãe, Ser Transcendente
Quimera
Muita Saudade
Do Jeito que Queiras
Eu Sou Palhaço
Sensualidade
Olvido
Mero Sonho
Rosto
Não Sobra Escolha
Senso Ético
Outro Palco
Apreensão
Ingenuidade
Futuro
Mistério das Florestas
Isso Acontece
Barro Efêmero
Ossos do Ideário
Desatenções
Mal Soberbo
Convulsões
Rosa Rara
Meu Sítio de Paz
Abandono
Espero o Amanhã
Injustiça
Mar
Sonhos Antigos
Raros Encontros
Não Dizes Ai
Frustração
Pressinto-me Abrolho
Rememoração
Ao Amigo do Alheio
Liberdade
Ela Chega Envolvente
Um poema que Dona Zita Comporia (Ao seu filho,
Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político)
Imprudência
Planilhas Desatentas
Imposições
Sonetos a Mancheias
Ciúme
Remoendo o Passado
Meros Mortais
Brado Urbano
Dor de Amor Banido
Eis Quem És
Início do Fim
Operário-Pranto
Saudades
Tolo
Esquecer
Presença
Palhaço
Deriva
Silsanc
Revolta
Congresso Nacional da Insensatez
Omissão
Psicoterapia: Recomendo!
Neuropatas
Líderes de Lata
Mestres
Pelejas Sensuais
Prudência
Guerras
Teses Postergadas
Teu Silêncio me Mata
Mudança
Desprezo
Chamar o Feito à Ordem
Luta
Pecados, Pecados!
Recomeço
Disfarces
Mistérios Doutras Trilhas
Nada Mais Há Que Importe
Sossego Comunitário
Encontro do Prazer
Sonhos e Sonhos
Pressentimento
Ao Depois
Serás Sensualidade3
Correntes
Degenerações
Amor que Delira
“Para Onde Foste?”
Aguardo
Teu Retorno
Criminalidade
Vento
Parlamentares Sanguessugas
Mereço Meus Flagelos
Esqueça-me de Vez
Inversão
Almas Carentes
Ilegalidades
Reta Final
Caderno de Poesias
Conspícuas Emoções
Eis o Discurso
Procela Imerecida
Meu Corpo é uma Estação
Superioridade dos Instintos
Temperanças
Aventura Impossível
Destino
Busca ao Prazer
O Teu Querer
Mistério das Florestas
Desatenção
Vitória dos Vadios

SONETO

Soneto! Arte da pena, rei do verso,
abrigo da emoção, do sonho puro,
castelo de ilusões, porto seguro,
tremor do coração em ânsia imerso!

É a síntese do canto mais profundo;
residência das dores nos desates
entre amantes e amigos; e entre vates,
tribuna das paixões de todo mundo!

Canta na paz, na guerra e em qualquer norte
a vida fulgurante e o breu da morte,
porta-voz das comunas e dos guetos!

Todo bem, todo mal, o azar e a sorte,
encontram nos quartetos e tercetos
o encanto e o ferrete dos sonetos!

RENDAS E TEIAS

Ardência sem conta, minha alma incendeia,
meu corpo se alinha à emoção do desejo,
meus lábios se aprontam aos múltiplos beijos,
enquanto meu sangue borbulha nas veias!

O encanto da noite burila a libido,
transforma meu corpo em nudez de emoção,
prepara o momento onde nula é a razão,
ditando os domínios do amor mais sentido.

Ao ver-te, o universo se aquieta aos meus ais;
meus olhos lacrimam rendidos às ânsias,
enquanto tua voz murmurosa me enleia.

A sorte é magia; comum dos mortais,
enredas-me ao gozo, ao tremor e à fragrância
do teu universo de rendas e teias.

FUGACIDADES

Revivo os encantos do colo macio,
da ardência do corpo - abraços sem conta! -,
do encontro furtivo – atropelos de monta!-,
do afago, do beijo, pelejas do cio.

Fogosa lembrança dos túmidos seios,
regaço do amor, dos murmúrios, dos toques,
arrojo à lascívia, qualquer fosse o enfoque
dos meus sentimentos à luz dos anseios.

Memória que emerge de tempo saudoso!
Brotar de lembrança tecida em desejos
ainda tão vivos, profundos, vibrantes!

Mas... sonhos que afloram tardios, nervosos,
são reminiscências de antigos andejos,
são doces delírios que duram instantes!

VIDA, FOME, MORTE
Neste exercício fúnebre de vida,
de fraca fé e abismos tão profundos,
em procissão, caminham moribundos,
clamando termo às dores e às feridas!

A lamúria da fome é a mais sentida,
espalhando-se ao vento das procelas.
A multidão faz culto à luz de velas,
em nome da miséria espavorida!

Da morte, o verme imundo toma forma
na vigília estratégica do bote,
à espera do banquete que o alimenta!

A carne que sucumbe, ela disforma;
levada ao minifúndio de seu lote,
lança-se à tumba o resto da tormenta!

DÚVIDAS PERVERSAS

Quero a emoção dos beijos escondidos,
chantagem viva, rogo sem limites,
ao lume da lascívia traiçoeira
persuadindo a mulher que ainda resiste.

Acolho o titubeio da incerteza,
mudez e vozerio simultâneo,
nos rápidos encontros permitidos,
à luz da vela-amor indefinida.

Há montanhas de dúvidas perversas
afugentando o instinto, as impulsões
do desejo voraz e clandestino.

Entretanto, não quero que se esvaiam
esses raros encontros do prazer,
junto ao corpo sensual que me alucina.


PRELIMINAR DO FIM
Que espera nutrirá perseverança,
se é utopia a ilusão que me fascina,
se é morto o arquivo augusto desta sina,
se a sorte é fantasia e desconfiança?

O tempo agindo à espreita, na surdina,
arrosta-me aos ardores da lembrança;
até parece jogo de vingança,
expondo-me a vexame nas esquinas!

Tempo sagaz, perverso, engodador;
voz dócil, mansa, truque das sereias,
eis as ondas morrendo nas areias!

É assim mesmo, sem tirar nem pôr:
a vida arruma o riso antes da dor,
preliminar do fim, última ceia!

MUDANÇAS

Atirei-me aos teus pés feito mendigo
a implorar-te migalhas de atenção;
humilhaste, porém, meu coração,
com teu desprezo rudo, vil castigo.

Sob o amargo pesar que me vencia,
cansado de sofrer de ti opróbios,
desisti da carcaça dos micróbios
para fugir da atroz melancolia!

Vou-me, sei lá pra onde, parto agora,
talvez correr por este mundo afora
esquecendo das dores que sofri.

Não sei de teu futuro, tua aurora;
mas enterrei as dores que vivi
e terás tu seus ossos só pra ti!

SOFRIMENTO

Os pés descalços sofrem calos vivos,
marchando sem destino sobre seixos,
sobre espinhos nus de mata espessa,
sobre a quentura viva dos asfaltos.

Internatos dos ódios recolhidos,
as margens das estradas dão guarida
às vocações confusas dos meninos,
no entrechoque do sonho e do delírio.

Cortejo de homens fortes, decididos,
vão-se os pais nas agruras da miséria
em direção aos mares das procelas.

Reluz o sofrimento no destino,
diante da geração que se sucede
à geração da dúvida e da dor.

NÃO ME NEGUES AGORA

O que te faz tão triste e amargurada?
Conta-me tudo, vamos, conta agora,
detalha-me por que tua alma chora,
entorpecida, em transe e agoniada!

Não me digas que o amor que te sustinha
abandonou-te à sorte das esperas,
duro golpe ao rigor de briga às veras,
negando-te a mais simples das florinhas!

Reage, a vida é sábia, não te entregues;
para o enfermo, ela não datou sua morte,
fazendo até surpresa do amanhã!

Há caminhos daqui para outro norte;
uma vez mais, suplico-te, me segue
em busca de existência mais louçã.

PROMESSAS

“Meus dias são pautados pelos teus;
a história do meu tempo é a história tua.
Rendo graça ao amor que se insinua,
instinto dadivoso, dom de Deus!

Ah, como sou feliz sob teu manto!
nada me abate, nada infelicita,
a sorte me elegeu a favorita!”
Ele, feliz, responde aos acalantos:

“Saibas que sou também muito feliz,
ardência há de sobejo em nosso amor,
mostra eternal dos sonhos, dos desejos!

Ultra-sagrados véus lá na Matriz,
elegeremos ser, junto ao criador,
leais amantes, sedes de bafejos!”

ÚLTIMOS AVISOS

Na arquibancada - circo de quimeras -
Agora sofro as dores da lembrança,
passeando na memória da criança,
encanto de ditosas primaveras!

Lâmina de aço afiada é a nostalgia,
soberba sedutora dos sentidos,
aformoseando o fado dos feridos
aos auspícios vilões das noites frias!

Sob o rito de sorte pressagiosa,
alumbram-se cenários, brincadeiras;
no picadeiro, danças, gritos, risos.

Circo da vida, festa glamurosa,
vigora ao megafone a voz cimeira,
a proclamar os últimos avisos!

SER TRANSCENDENTE

Ser mais rijo não há na natureza,
determinado, ousado e corajoso,
que enfrente abismo escuro e perigoso,
do que a mãe junto ao filho, com certeza!

Desde a concepção ela se entrega
ao rigor de defesa quase insana
no resguardo do filho que se ufana
de ver a mãe vencer toda refrega.

Senhora dos poderes da criação,
ela é dona de força misteriosa
na Arte de ser Mãe - Arte Divina!

A Humanidade acena-lhe afeição.
Às gerações, é dádiva preciosa,
milagre das entranhas femininas!

HERANÇA

Que vida tive em todos esses anos,
enclausurado em dores de saudade,
ao jugo da esperança mais covarde
a impetrar-me ilusões e desenganos?

Neste outono, de que me ufano agora,
se a augusta primavera dos encontros
rendeu-me amargas dores, desencontros,
e a orfandade do amor que me devora?

Restaram-me o vazio e a solidão;
sequer lembrança boba vicejou,
à sorte de alentar-me em alguns sonhos.

Talvez, de ganho, eu herde a compaixão
da mulher insensível que enlutou
as horas dos meus dias mais risonhos!

AGORA É TARDE, MUITO TARDE!

Acordei tarde aos teus apelos, muito tarde!
Hoje a saudade rasga minha alma ponto a ponto
- vento minuano, tempo rude onde me apronto
para pedir que uma outra vida não retarde! -

Não há mais esperança; os sonhos se esfumaram.
Toda ânsia agora é cinza fria, é coisa morta.
Das muitas dores que sofri, eis o que importa:
foram de ardência as dores tantas que encantaram!

O amor não resolvido, sinto, é uma loucura.
Simultâneo ao desejo forte de esquecê-lo,
ressumbra o de voltar, sem pejo, a revivê-lo!

Mas eu lavrei a minha a própria desventura,
desatendendo ao teu clamor - que acerba agrura!-
olvidando tratar-te, amor, com meus desvelos!

CULTIVO DE SAUDADES

Desperto sob os ventos outonais,
estranho e só, refém da nostalgia.
Sofro da dor a sua liturgia;
sofro por ti que não verei jamais!

Rompendo histórias ásperas, vazias,
perdi alguns dos liames ancestrais;
cercado de lamentos, tristes ais,
ando farrapo alhures, noite e dia!

Não consegui trazer-te à minha essência,
malgrado a luta que lavrou feridas,
sob tantas mentiras e verdades!

Deixaste-me de herança a tua ausência
e o castigo das noites mal dormidas.
Hoje me entrego a cultivar saudades!

VEM!

Entrega-me tuas mãos; sente o pulsar
das veias do meu corpo - mornas, tensas -
tomadas de desejos, benquerenças,
retrato da volúpia a desvairar.

Engaveta o tratado pudoroso,
com ele o anacronismo do teu pejo;
provarás o aliciente ardor do beijo,
se olvidares teu medo adulteroso.

Vem. Dá-me o abraço nu das ânsias puras,
não te afogues nas águas inseguras
das dúvidas atrozes que te minam.

Enterra de uma vez as amarguras,
pois a vida e o sofrer não se afinam,
se outros amores deveras nos fascinam.

SONHO

Eu tive a sorte de sonhar contigo
e deleitar-me sob teus encantos.
Lembro saudoso a emoção do canto,
recordo teu regaço, vero abrigo!

Vivi teus beijos, teus ternos abraços.
Sobre os lençóis, as ilusões e o tempo
caminham lentos, caracóis que enlaço,
quiromancia lucubrada ao vento.

No inconsciente projetar das ânsias,
sob a vivência de um prazer só meu,
a natureza colocou-te em mim.

Meu sono é construção de relevância;
teu corpo semi-nu não se rendeu;
aguardarei um novo sonho, enfim!

HOJE SONHEI ...

Hoje sonhei contigo ainda mais bela,
mulher perfeita, entalho escultural.
O olhar, o abraço e o beijo preludial
tornavam-te a mais doce das donzelas!

Foi sonho sem rezingas; eras minha,
num cenário de brisas, rios, prados,
de florestas, de montes azulados,
ao vergel alfombrado de florinhas!

Lúdico instante em sonho acastelado,
ardor que arrosta as ânsias aos limites,
prazer forjado ao rumo do infinito!

Mas eis que assoma o tempo triste fado:
Acorda-me apontando o que me assiste
Na solidão de um mundo assaz maldito!

RENÚNCIA

O amor que te devoto e me aventuro,
é sentimento ativo, raro, intenso,
que às vezes nem eu mesmo me convenço
de que ele habite em mim já tão seguro!

Confesso-te a cegueira que me toma,
a mestra dos transtornos, dos impulsos,
tirana dos meus passos, dos meus pulsos,
prenúncio das algemas, da redoma!

Como negar-te a trama que se ajeita
sob o breu de interesses ressentidos,
se o meu amor por ti é uma verdade?

Proclamo, pois, a ti, oh, musa eleita,
abandono ao amor ensandecido.
Não serás submissa a insanidades!

MORTALHA

Saudade cruenta! Flecha que transpassa,
para matar de vez todo meu sonho,
a alma e o coração – fado medonho!
Perseguição insana que me caça!

A espera debilita as esperanças,
de ter no amor mais vivo a recompensa,
para enterrar de vez a chama intensa
da nostalgia atroz que aturde e cansa!

É como chaga aberta que doesse,
Ou sangue nas artérias que me ardesse,
Esse desejo doido de abraçá-la!

Dos sonhos para a tumba, este interesse,
esta paixão doída que atassalha
e a saudade a servir-me de mortalha!

DA MUSA À DOR

Como eu disse, o poeta a musa cria.
Logo, porém, a dor se faz presente,
toma o lugar da amante sempre ausente,
engano a transtorná-lo todo dia.

Garanto, não seriam diferentes
estes versos vertidos doutro esteta,
diante de musa estranha, anacoreta,
que é metade ilusão, metade gente!

O verso é produção de alma ferida,
é canto lamentoso no abandono,
declaração à amada que partiu!

Pois a musa é o fantasma que dá vida
aos sonhos delirantes dos outonos
de quem nunca viveu, só se iludiu!

QUERO VER-TE FELIZ

A esta hora da poesia te cobiço,
pleno de ânsia, aguardando o último verso!
Talvez não queiras nunca falar nisso,
assunto de libido - que regresso! -.

Mas o teu provocar é chama e viço.
Decerto, algum demônio despertou
cada um dos neurônios do que sou,
neste mar de lascívia em que me atiço!

São teus estes meus versos transparentes,
convocando nas rimas contundentes
toda a sensualidade que tu abrigas!

Quero ver-te feliz no que tu sentes;
oferecer-te o encanto das cantigas
no leito das luxúrias mais antigas!

RODEIO DE PAIXÕES

Não ter sossego, espero nunca o tenhas,
pois caçadora que és, quero-te assim:
dissoluta lançando sobre mim,
palavras doces, sensuais resenhas!

Que a tua languidez venha dos campos,
dos prados, das coxilhas da campanha,
trazendo na tua alma toda manha
do amor desnudo, amor cheio de encantos!

De caçador a caça, impulso ardente,
entrego-te o convite mais fremente,
convidando teu corpo às emoções!

Espero-te feliz, alma fulgente;
receberás prazer aos borbotões,
ao custo de um rodeio de paixões!

O TEMPO ESCOA!

Teu corpo é o róseo fruto que apetece,
é dádiva dos deuses que me abrasa,
é sonho e inspiração que me desasa,
mistério transcendente que ensandece!

Teu corpo é o sumo augusto dos desejos,
insuspeito convite ao dar-se as mãos,
ao trilhar em silente solidão,
às alfombras das ânsias em festejos!

Teu corpo é a magia da natura,
é névoa à noite ardente da aventura,
capaz de se iludir à brisa à-toa.

Assim, diante da tua formosura,
receio de perder-te – a névoa voa!-
apuro-me em vigília – o tempo escoa!-

VIAGENS

Natureza atrevida e rompedora,
quem és, mulher, que, ao grito contundente,
esparges teu desejo tão ardente
no vôo livre de uma águia sonhadora?

Tu andejas por coxilhas e campinas,
mulher- ninfa ou menina caçadora,
voluptualizada à adrenalina
que te impulsiona à fuga das masmorras!

Recebo-te, estás sós, libido acesa,
aprisionada às ânsias, corpo entregue;
teu beijo mostra o quanto estás carente.

Domina-te o delírio, és doce presa.
No cio, me procuras, me persegues,
para as viagens longas, transcendentes!

A MUSA E O CAOS

Eis, aí, toda a essência do meu rito,
tramando contra a própria criação:
dei vida à musa e nesta direção
trama-se a dor crucial na voz do mito!

Sou cúmplice no amor com meu desejo;
sou cúmplice na luz e no mistério.
No coração amante e no meu beijo,
cumplicidade é voz de magistério!

Repilo a pretensão do azar sem rumo.
Abraço a sorte e a luz dos seus prenúncios.
Estendo o meu prazer aos solitários!

A musa é inspiração; do verso, é prumo.
Porém, não raras vezes, é o anúncio
lançando ao caos poetas visionários!

ASSUNTAR RECORDAÇÕES

Retorno à camponesa dos meus versos,
cria do barro cru dos meus desejos,
até hoje em profundo lago imersos,
rendendo-me saudades em lampejos!

Sinto-te assim, rebrilho campesino
(não sei se és fogo-fátuo ou se és diamante);
no entanto, reinauguro a dor do amante,
sob os antigos sonhos concubinos!

Clandestinos, rompemos madrugadas,
enfrentando as mais belas alvoradas,
deitados nas alfombras dos capões!

Agora, ao pé da noite enluarada,
presente a brisa augusta das canções,
entrego-me a assuntar recordações!

DO JEITO QUE QUEIRAS

Atiço-te, fêmea sem rédea e sem pejo,
no alvor dos meus linhos, na cama macia.
Há muito não sinto este ardor e euforia
guindando os sentidos ao puro desejo.

Apuro-te na ânsia que encanta meu dia,
que assume o supremo gozar que antevejo,
clamando a carícia das mãos, do meu beijo,
presente dos deuses que minha alma extasia.

Seguro-te firme, tesouro sem preço,
à sorte sagaz que te aninha ao meu lado,
fazendo-te presa do amor sem fronteiras.

Respira ofegante; aos teus ais aquiesço.
Assuma a lascívia do êxtase alado
e entrega teu corpo do jeito que queiras!

ALGUNS BEIJOS FRIOS

Nas sombras noturnas, varando meu tempo,
Lagoa dos Patos, ah, triste me vou,
vertendo saudades, momentos ardentes,
marulhos de inverno, murmúrios de amor.

Canções das areias, das águas, das aves,
das tardes de encontros, das velas, das brisas,
agora lembranças que assumem meu fado
rendendo à minha alma sentidos amargos.

Entrego meus freios às sendas da vida.
Os muros se alteiam; as ondas noturnas
avisam que os barcos se foram pra sempre.

Meu corpo se encanta; a acordeona se adona
das areias mornas nos luais da ilusão.
Fantasmais, sobraram-me alguns beijos frios.

ÉS ÁGUIA

Este poema é teu, é teu somente!
Ativa-te à ousadia do meu estro,
pois em momento algum tocou-me o sestro
de imaginar-te cínica ou serpente!

És águia! Serás águia para sempre!
No universo sem pegas, virtual,
quero-te águia mesmo, sem igual,
para voarmos juntos de repente!

E não me inventes nada que transforme
este desejo nu de ter-te assim,
liberta das correntes que escravizam!

Um mundo resplendente e multiforme
de liberdade e sonho dirá sim
aos tantos ideários que fascinam!

(Inspirado na poesia “Um Poema à Camponesa)

GRAÇAS FEMINIS

Uma ardência incontida, sim, me toma,
egressa do desejo e da saudade,
como tanta ousadia que me invade
fartando-me do brio que me assoma!

Mas algo indefinido me assanhou!
Quem sabe, em pouco tu dirás o quê?
Solicito ao findar os versos: lê;
após, dize o que ao vate perturbou!

Arrisco antecipar-te: foste tu
- sem que de nada saibas – a razão
dos devaneios tais que ora proclamo!

Revelas o cantar do uirapuru:
mágico, belo, raro e dás vazão
às graças feminis em que me inflamo!

(Inspirado na poesia “Um Poema à Camponesa”)
MÃE, SER TRANSCENDENTE
Ser mais rijo não há na natureza,
determinado, ousado e corajoso,
que enfrente abismo escuro e perigoso,
do que a mãe junto ao filho, com certeza!

Desde a concepção ela se entrega
ao rigor de defesa quase insana,
resguardando seu filho que se ufana
ao vê-la vencedora nas refregas!

Senhora dos poderes da Criação,
ela traduz a força misteriosa
da Arte de ser Mãe - Arte Divina!

A Humanidade acena-lhe afeição.
Às gerações, é dádiva preciosa,
belo milagre da alma feminina!

QUIMERA

Estranhos, como não, nessa distância,
trocando confidência terna e pura,
num tratamento ao prumo da elegância,
ao zelo do elogio com ternura.

Sentidos virtuais das relações,
carícias e promessas repetidas
nos sonhos madrigais, nas sensações
que em nossa alma sentimos refletidas...

Ao lado da lareira, bebo vinho.
Eis-me entregue ao pelego, na saudade
de quem sequer o corpo eu adivinho!

Sobre a mesa, papel, caneta e a herdade
composta pelos versos da verdade
cortinando a ilusão dos meus caminhos.
MUITA SAUDADE
Se de saudade sofro tanto agora
a desejar-te tão profundamente
saudades tantas outras sentirei
para remir as culpas que ora trago

Relembro as tantas vezes que parti
sob a emoção acesa do desejo
buscando nosso encontro nossos beijos
sob a volúpia intensa da paixão

A distância porém aprisionava-me
na querência viciada doutro amor
degenerando assim teus sentimentos

Do mundo dei-te então toda a razão
quedando-me em sofrer crescente e amargo
que hoje explode em saudades sem limites

DO JEITO QUE QUEIRAS

Atiço-te, fêmea sem rédea e sem pejo,
no alvor dos meus linhos, na cama macia.
Há muito não sinto este ardor e euforia
guindando os sentidos ao puro desejo.

Apuro-te na ânsia que encanta meu dia,
que assume o supremo gozar que antevejo,
clamando a carícia das mãos, do meu beijo,
presente dos deuses que minha alma extasia.

Seguro-te firme, tesouro sem preço,
à sorte sagaz que te aninha ao meu lado,
fazendo-te presa do amor sem fronteiras.

Respira ofegante; aos teus ais aquiesço.
Assuma a lascívia do êxtase alado
e entrega teu corpo do jeito que queiras!

SOU PALHAÇO

Ganhei a sorte grande: sou Palhaço!
Levo alegria à praça e ao picadeiro;
seja o lugar que for do mundo inteiro,
na profissão do riso não fracasso!

Transformo as emoções do ser humano,
removendo a tristeza que o espicaça,
afastando-o da angústia e da mordaça,
dando-lhe sonho e voz - do que me ufano!-.

O meu nariz vermelho é bizarraço,
repito, sou Palhaço, espalho graça,
escondo a dor humana da desgraça!

Não sou mordaz, hipócrita ou devasso,
meu gesto é paz, é vida, e não chalaça!
Sou filho da quimera, eis minha raça!

SENSUALIDADE

No frescor do teu colo aveludado,
floresce a natureza dos meus sonhos,
traduzindo os meus dias mais risonhos,
certeza resplendente do meu fado!

As mãos inquietas, mornas, buliçosas;
o coração pulsante em descompasso;
o corpo imóvel, quedo e os olhos baços,
estavas noutro mundo, alma fogosa!

Sob tensão madura a me suster,
cedi meu tempo às garras da emoção,
olhando-te desnuda, venturosa!

Eras tela, pintura, e eu a sofrer,
mantive fortes a alma e o coração
diante da tua imagem tão formosa!

MERO SONHO

A chama da volúpia arde no peito,
desenha-te desnuda ao meu sentido.
Trejeitos feminis, traço perfeito,
Teu corpo atiça as forças da libido!

Sob hipnose, véu encantador,
alma lasciva, assumo o teu chegar,
como se tu chegasses ao lugar
onde habitasse o teu maior amor!

Da ilusão, sorvo a paz que mais preciso;
revelo-me presente aos teus desvelos,
encantam-me teus lábios, teus carinhos!

Mas este sonho lindo é mero aviso!
Os teus encantos, como merecê-los,
se a vida é breu, é sorte em desalinho?

OLVIDO

Não brindarei às pálpebras caídas,
olhos mortos, morada da tristeza,
mãos estendidas, alma tediosa,
certeza de esperanças sucumbidas.

Ao silêncio supérfluo, misterioso,
e ao ambiente cheio de estranhezas,
darei uma oração de despedida,
sob o protesto duro dos desejos.

Não mascarei chicletes ou palitos
no nervosismo atônito criado
pelo cenário lúgubre do encontro.

Repositório não serei às súplicas
de uma alma indiferente e distanciada
que existe para as festas da mazela!

ROSTO

Onde eu quisera estar neste momento,
não mais ouvir falar neste meu rosto?
Onde estaria agora em tão silêncio,
resguardado dos gritos da criança?

Onde longe e tranqüilo assumiria
que a dor cruel é trauma superado,
resquício desprezado dos sentidos,
incapaz de abater os meus anseios?

Ao caminhar a sós em solidão
não marcarei com rastros dolorosos
as pedras dos caminhos dos meus passos.

Reclamo do meu rosto endurecido:
é pedra que se entrega à erosão,
sofrendo as intempéries invencíveis!

NÃO SOBRA ESCOLHA

Marco os meus passos vãos nas teias dos sentidos,
desencontrados nortes, veias tensas, nuas,
nesta infortuna quadra em que me lanço alhures,
no rodapé das quedas duras, rudes, más!

Intensa é a dor que rasga o ser, invade o tempo,
anula as regras, quebra o trato do existir,
esfrega a cara ingênua e franca do inocente
ao rés do chão imundo, empório de dejetos!

O sonho arrisca a sorte em luz e purpurina;
é risco, nada mais, falácias das idéias,
produto da alma em transe, sob astúcias tantas!

Meus passos rompem pedras, visgo, lama e breu.
Meu patrimônio, só! Fazer o quê, se agora
não sobra escolha nesse trânsito de abismos?

SENSO ÉTICO

Sobre os males que trago, silencio.
Todos guardam serpentes enrustidas
e orações escolhidas e arrumadas,
para a hora certeira do discurso.

Vale lembrar, porém, do senso ético,
equilíbrio da ação de todos nós:
ela não cede termo rude ao vento,
nem libera emboscadas ou peçonha!

Cada um é o seu próprio guardião:
corrigirá o erro adquirido,
sepultando os congênitos que abrigue!

Há quem se agarre ao fel e à insensatez,
dando força e impulsão à crueldade.
Tempestade, decerto, colherá!

OUTRO PALCO

Afasto explicações, quero silêncio
para sorver a mágoa inexplicável,
os gestos mais sentidos, o olhar frio
e a decisão de nunca mais voltar!

Diante das fugas, nortes sem destino,
os descontentamentos me sufocam.
Assim, prefiro a dor da solidão,
a ter que sucumbir perdido em dúvidas!

Estando só - martírio que me intriga -,
encontrarei saídas, soluções,
castelos de ilusões assumirei!

Não pedirei motivos nem razões!
As causas, sigam todas para o inferno!
Repensarei meus sustos noutro palco!

APREENSÃO

Repensarei meus dias mais felizes,
num processo de análise profunda.
Assim, desvendarei todo o presente,
desnudando as razões de seus mistérios.

As sombras advindas, os abismos,
a angústia que a alma erode, as apreensões,
o golpe decisivo e o desatino,
estarei longe disso tudo agora!

Há pântano aos meus pés, muita urdidura,
escuridões, azares, ameaças,
projetos de elevado macabrismo!

Oponho-me à incerteza periférica;
recolho meus mijados, partirei.
Há lanças apontadas contra mim!

INGENUIDADE

Gosto da ingenuidade dos teus gestos,
sentir tua alma simples, doce, nua.
Os versos dos teus íntimos segredos,
nos teus olhos arrumam-se em sonetos.

Se a manhã arregaça a virgindade
do sol, dos parreirais e das montanhas,
a tarde e a noite mostram tua volúpia
como brinquedo raro da natura.

No leito, a grama, a terra, a flor, as águas
e a indolência das brisas perfumadas
fabricam emoções aos homens puros.

O prazer no teu corpo brinca e dança
sob a calma singela dos silêncios,
enquanto o cio explode na tua alma!

FUTURO

Amo o silêncio feito pedra bruta,
matéria indesgastável que fascina.
Os milênios rompidos são mistérios
invernados nos crânios de granito.

Afogo-me na selva verde-musgo
das tramas animais, das tempestades,
das virgens que sucumbem ao cio intenso,
dos selvagens encontros dos desejos!

Embrenho-me nas trilhas seculares,
provando o gosto agreste das quimeras,
sorvendo as águas frescas das folhagens!

Tecendo os sonhos tantos que me aquecem,
devolvo-me ao grunhido mais antigo,
tentando descobrir o meu futuro!

MISTÉRIO DAS FLORESTAS

O olor das selvas puras e intocadas
penetra meus sentidos, feito o vento
que rompe sob silvos delicados
o verde nu, espesso e misterioso.

Enfrento a travessia dos receios,
preservar a natura é uma conquista;
meu coração se entrega aventureiro
e eleva hosana à sorte que me guia!

Afasto-me dos homens que se adonam
da natureza rica que se expõe,
desprotegida às garras da ambição!

As horas se amontoam, e a floresta
aguarda que a minha alma e que o meu corpo
integrem-se ao futuro dos verdores!

ISSO ACONTECE
Ao ver-te, enlouqueci, fiz juras tantas,
e tu correspondeste às minhas ânsias.
Provei-te abraços, beijos, muitos beijos,
consolidando o mais profundo amor.

Lavraste as esperanças mais fornidas,
desnudando teu corpo aos meus desejos.
Quando partiste, foste e voltarias:
foi este o trato sólido do amor.

Em permanente espera me aprumei
durante noite e dia, dia e noite.
Então, senti minha alma esvanecer.

Agora, do que vês, não há mais alma;
restou-me um corpo frio e desvalido
a despedir-se em vão de quem não veio!

BARRO EFÊMERO
A pedra rola, esfola, martiriza,
rompe a raiz, matriz de toda a história.
A pedra empurra a sombra, o sonho, a trama,
esbagaçando o jeito cru do verso!

Diante do sangue novo dos caminhos,
o verbo perde braços, pernas, olhos,
como objeto frágil e sem sentido,
rolando inútil pela estepe rude!

Barreiras frias feitas de oração
arrojam-se confusas sobre povos,
esfacelando esperas e esperanças!

O feito consagrado vira lixo;
a estátua monolítica de bronze
transmuda-se no pó do barro efêmero!

OSSOS DO IDEÁRIO

A rede de desejos sobre-humanos
esfacela a utopia, as ilusões,
em desfavor dos santos e dos templos,
lançando ao chão milagres não cumpridos.

As rosas morrerão estranguladas
pelos cipós da crença sem barreiras,
nascida no jardim da idolatria,
ao cântico dos hinos enganosos.

Lançam-se raios sobre veias tensas.
Subidas e descidas devassadas
conturbam a lei da física primária.

São pisadas as teses e os conceitos
ao lado das fogueiras que calcinam
os ossos mal formados do ideário!

DESATENÇÕES

O silêncio dos anjos não convence,
enquanto todos cantem seus mistérios,
ao custo das maçãs apodrecidas,
do grito e da oração mais-que-imperfeita.

Na emergência da luz, das novas ordens,
a terra porá cobro à prece espúria;
cavalos são treinados todo dia
para o trabalho bruto dos arados!

As abelhas estão enlouquecidas;
dão-se à procura inútil das estrelas,
imaginando o néctar da vida!

O inverno condecora o rosto bruto
dos peões indormidos dos levantes,
mostrando-lhes o pasto da miséria!

MAL SOBERBO

Os monstros das chacinas suburbanas
- noturnos, salafrários, delinqüentes -
entregam-se às tragédias noturnais,
misturando desgraça ao dolo espúrio!

O grito do menino se entremeia
na confusão robusta dos escuros,
assustando a pobreza dos escombros,
revelando os mistérios madrigais!

A lua rasga a rua em noite alheia,
tangendo miseráveis feito gado,
em direção às rosas sem perfume!

Ao verbo destemido das esquinas,
alguém se arroja livre e corajoso,
xingando o mal soberbo e desprezível!

ABANDONO

Madrugada de sonhos tensos, frios;
casas silentes, sombras e fantasmas,
pecados anunciando precipícios,
ei-lo lançado ao breu dos infortúnios!

Sua alma é abrigo frágil, é templo inútil,
é desencontro, é verbo sem sentido,
nutrindo-se de brisas, de lembranças,
monologando a esmo, ele e a saudade.

Todo o universo, agora, virou cinza;
seus sonhos são moradas de vazios;
o tempo é carrascal desesperança!

A febre que anuncia a infecção
de seus últimos dias de agonia
é o abandono a que se viu lançado!

CONVULSÕES

Ódio concentrado, universo caótico.
Ronca a tripa, ruge a memória sombria,
barriga vazia, mestrado perverso,
zero vezes zero, ciranda da fome!

Olhos sem visão, trapo, troço, apatia!
Verdades sucumbem alheias ao tempo.
Há pódio de pulgas, baratas e cães;
desprezo, silêncio, erosão, rebeldia!

A luz das manhãs se repete nas ruas,
nas calçadas nuas, nos campos, nas vilas,
banhando cabeças anônimas, frias!

Enquanto não cessa o estrugido interior,
vulcão vivo da alma rompendo a existência,
tudo chega em dores profundas e mudas!

ROSA RARA

Rezo amofinado com deuses e feras,
aprendiz da rima sem música e sal,
senhor do meu mundo de versos algozes,
meio vírus raro rompendo a existência.

Transformo-me em parte das tramas audazes;
acordo dos sonhos e encontro miçangas
iludindo os pés, a cabeça e a visão,
mastigando o tempo e canções primitivas.

Enquanto as paredes do quarto se atiram
para os quatro lados da história mais triste,
a mulher se vai sem prazer. Doida! Doida!

Sinto a rosa rara brotando ao meu lado;
há mato revolto e tristeza nas brisas.
Balança-me o sangue num grito distante!

MEU SÍTIO DE PAZ

Há medo plantado nas sombras da tarde,
prenúncio de rondas, janelas fechadas,
silêncio de augúrio, invernal desencanto,
saudade de um tempo de amores sem conta!

Há vida lá fora morando no risco.
Estranho e confuso concerto de idéias
aturde a quietude que agora me apraz,
montando reveses que não desejei.

Assumo meu sítio de paz – monastério -,
recanto de sonhos, de livros, papéis.
São troços inúteis que acenam lembranças.

Não quero disputas, não quero vitórias,
tampouco interessa explicar meus caminhos
que importam tão pouco aos que não me convencem!

ESPERO O AMANHÃ

Mexo-me perante a mudez do teu riso,
para ganhar tempo fitando teus olhos.
Estás indo embora uma vez mais. Eu fico
sob horas sombrias, fugazes, alheias.

Tento segurar-te com versos de brumas,
fumaça e vazio. Outra vez não consigo!
Dizer ao teu silêncio o quê? Falo, falo...
Teus ouvidos moucos anulam meu verbo!

E os segundos voam, enquanto desejo
perguntar qualquer coisa sobre teus dias.
Teus disfarces marcam minha alma de olvido.

Amanhã, oh, quem sabe? Espero o amanhã,
desde agora e já mergulhado em poesia,
detendo os instantes da minha lascívia.

INJUSTIÇA

Não falo por ninguém, falo por mim,
na selva magistral de homens – anões!
Na regra do repúdio, canto o fim
do caráter levado às servidões.

Indago: qual a força que ainda resta
de firmeza, dever, dignidade,
que se assoberbe numa grande festa
e denuncie espúrias inverdades?

Fazem da covardia uma virtude,
pincelando de mérito a omissão,
no contingente enorme que se atiça.

E sozinho, meu Deus, antes que eu mude
pra outra vida, aqui marco a posição
de quem sempre lutou contra a injustiça!

M A R

O mar abriga o sonho a luta a vida a morte
o capricho ancestral da luz do som do sal
porque ele é o berço nu de todo o azar e sorte
é o ninho da criação de todo o bem e o mal

É o cofre do segredo eterno dos mistérios
da resposta fulcral que a humanidade busca
tentando elucidar na paz dos ermitérios
a dúvida sagaz que a desespera e assusta

O mar é a explicação de todo o imaginário
do aventureiro livre forte e corajoso
que se atira ao destino alhures e às procelas

Vencer este colosso é feito extraordinário
embora exija do homem um velar criterioso
Nele a grandeza do homem brota e se revela

SONHOS ANTIGOS

Há sonhos antigos que trago em segredo.
São forças que emergem no meu dia-a-dia,
vulcão de desejo explodindo em minha alma,
tornando mais viva a aventura ideária.

Renascem ativos, assumem caminhos,
dão cores à idéia de novos amores,
inspiram o esteta ao versejo sublime,
refogam temperos de ânsias sem conta.

Vivendo valores do tempo presente,
são dádivas puras os sonhos que aportam,
tocando projetos há muito esquecidos.

Os sonhos antigos, agora eles chegam,
dão força à esperança, renovam certezas,
apontam caminhos, dão luz ao futuro!

RAROS ENCONTROS

Quero a emoção dos beijos escondidos,
chantagem viva, rogo sem limites,
ao lume da lascívia traiçoeira
persuadindo a mulher que ainda resiste.

Acolho o titubeio da incerteza,
mudez e vozerio simultâneo,
nos rápidos encontros permitidos,
à luz da vela-amor indefinida.

Há montanhas de dúvidas perversas
afugentando a erótica impulsão
do desejo voraz e clandestino.

Entretanto, não quero que se esvaiam
esses raros encontros do prazer,
junto ao corpo sensual que me alucina.

NÃO DIZES AI

Ah, meus olhos feitos de vidros e raios,
visões de aventura sofrendo fronteiras,
distâncias maduras, mistérios, cansaço,
estradas e pés sobre espinhos e rumos!

Eis-me desejoso de voz e conversa,
sobre o que tu tramas e sonhas e queres!
Dá-me agora o verbo dos teus amanhãs
e então desfrutemos o instante da sorte!

Talvez descubramos na renda da fala
o canto sagrado do corpo e da alma,
o verso maduro do encontro almejado.

Sal de solidão noturnal, viva, má;
a chama fenece e tu não dizes ai.
Eu, sim, eu me esgarço na lida de ter-te!

FRUSTRAÇÃO

Traz o vento o cheiro de terra distante,
tocando o desejo, rompendo o silêncio,
roncando à memória o vigor da aventura,
como se dissesse aos sentidos: “Acorda!”

Chega a voz que chama. Remexem-se as mãos.
Sacodem-me os gritos. Avivam-se as súplicas.
Arde-me a impostura passiva das horas,
fazendo-me quedo, tornando-me inútil.

Rédeas e cabresto sem guia, sem rumo;
sabor de saudade e de amor mutilado
no rondar dos passos silentes e frios.

Vê-se que há revolta recíproca agora.
O tempo passou imergido em vazios,
legando ao presente projetos frustrados!

PRESSINTO-ME ABROLHOS

Entrego-me cru à emoção do aprender;
aprender a ouvir, a cantar, a sonhar,
a cortar amarras, sumir e sentir;
aprender de novo a pensar e viver!

Renovo-me tal como quem perdeu tempo,
achando que a poça era o céu e o oceano.
Há trava nos pés. Como não? Recomeço!
O engano emergiu; foi-se a sorte; desperto.

Retorno ao menino surpreso com a vida.
Deixo entrar o vento, recebo os murmúrios,
acolho o convite e me vou a andejar!

Mas vejo perigo no barco à deriva;
pressinto-me abrolho ao romper da manhã,
deitando na praia dos meus recomeços!

REMEMORAÇÃO

Bate o mar na amurada das lembranças.
Esqueço-me do tempo, dou-me a andejos,
seguindo embarcações, ouvindo as ondas
que ainda explodem forte na memória.

Outra vez, transformei-me no menino
que amava o mar e o seu marulho estranho.
Ao longe, as ilhas belas, misteriosas,
moradas dos meus sonhos mais profundos.

Acompanhando escolhos sobre as águas,
vivo os raios do sol, meu terno amigo,
nas longas caminhadas que eu fazia.

Por dentre as pitangueiras, beira-mar,
ao pé das praias virgens, rememoro
a infância mais feliz que se viveu!

AO AMIGO DO ALHEIO

Produzo este soneto e então me indago
sobre a carência clara do destino:
dá à luz quatorze versos enquadrados,
onde mal cabe o rosto do cretino!

Na obediência física da forma,
da tribuna da métrica converso,
tentando me enquadrar na alma da norma,
adequando na linha o vil perverso!

Ele apodrecerá; quero que mofe,
na prisão do poema, o velhacaz!
A lei da Arte se cumpra ao ladravaz!

Assim, de verso em verso, anulo o bofe,
desnudo o personagem em cada estrofe
recomendando sua alma a satanás!

LIBERDADE

Canto e procuro o rumo do infinito,
eu não sou mito, sou apenas sonho.
Vago tristonho e luto com afinco,
com a dor não brinco, pois canto e procuro.

Porto seguro, vago eternidades.
Mas que saudades sinto a toda hora
da liberdade do meu ir e vir
que eu vi partir e que se foi embora!

E canto e canto o canto de chegar!
Raio de luz! Vamos mudar! Chegou!
Eu não sou mito, sou apenas sonho!

Sob as travessas rijas do Universo,
faço caminhos, busco meu destino.
A liberdade não morreu: sou eu!

ELA CHEGA ENVOLVENTE

Ela chega envolvente, a tal saudade.
Ao crepúsculo, então, pleno arrebol,
transforma-se em veneno, é fisga, anzol,
é dor estrutural que nos invade.

Na ardência dos vazios, sofrimento!
Retornar é esperança tola, inútil,
traduz-se na ilusão da espera fútil,
revela-se o prazer levado ao vento!

Madrugadas, manhãs, tardes e noites,
estágios temporais da alma sem rumo,
acenos de um destino sem pousada!

Saudade é revivência sob açoites;
é vida atribulada e em desaprumo;
é futuro de abismo e encruzilhada!

UM POEMA QUE DONA ZITA COMPORIA
(Ao seu filho Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político)

Sob esperanças frágeis, muita luta,
ora explosão de choro, ora gemido,
vendo meu filho alhures ser banido
pelo poder vilão da força bruta!

“Mãe Zita” – ele diria agora – “esqueça
da lesão aos direitos, da tortura,
da corrosão social, da ditadura,
dá-me teu colo, estou aqui, me aqueça!”

Diria mais a seus irmãos e amigos,
ao povo e mesmo aos títeres de lama:
“O sonho continua, mais se viça!”

Sofreu dores injustas, vis castigos;
porém, hoje é memória que se inflama,
a requerer reparos e Justiça!
IMPRUDÊNCIA

Sob dúvida atroz, vai-se em frangalhos
o esforço dos projetos sociais.
A família esquecida hoje sucumbe
ao lado da esperança descartada!

Os grupos de extermínio fazem festa,
após o assassinato de crianças
egressas da miséria absoluta,
reinante nos bolsões dos sonhos vãos!

Os cofres do Governo são saqueados,
reforça-se o vigor peculatário
na universal orgia safardana!

É febre esse desmando, essa anarquia!
É abuso esse desprezo a quem tem fome!
É imprudente o rompante das elites!
(Pelotas,RS, 1989)

PLANILHAS DESATENTAS

Multiplicam-se os pobres e as tragédias.
No seminário errático das dúvidas,
acodem projetistas de plantão
tentando as soluções uma outra vez.

Há muito atoleimado atravessando
o sentido contrário dos acertos.
Há burros empacados nessa história,
há muitos interesses nesse jogo!

A fome assume a história das andanças,
enquanto os contingentes sem destino
amargam desgraçados desencontros!

Os séculos são bocas desdentadas
engolindo indistintas aventuras,
forjadas em planilhas desatentas!

IMPOSIÇÕES

Ao poder sem limites do destino,
entrego minha vida, meu futuro.
Nestes tempos de caos, de desatino,
não vislumbro certeza no que auguro.

No concerto dos planos pessoais,
a ingerência de estranhos é constante,
amalgamando assuntos vis, banais,
levando a orquestra a notas dissonantes.

Instaurando-se a crise individual,
projeta-se meu ser às confusões,
imergido em vazio colossal.

Neste processo amargo das ações,
anula-se minha alma sob o mal,
aturdida a sofrer retaliações.

SONETOS A MANCHEIAS

Desejo escriturar belo soneto,
envelopá-lo e após te remeter.
A inspiração, burilo ao meu prazer,
e os tantos decassílabos prometo!

Dois quartetos, no entanto, e dois tercetos
representam morada insuficiente
para abrigar o amor grandiloqüente
que me atiça aos impulsos insurretos.

O formalismo da Arte não dá trégua,
mas forja solução mais que perfeita,
de molde a amplificar o meu querer:

Se o soneto me obriga o uso da régua,
lavra-los-ei sem peia,ó musa eleita,
até que o amor sobeje no teu ser!

FESTIM DE CRIMINOSOS

(Ao espírito de Justiça do dr. Ivo César Netto, brilhante Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul)

Nas comemorações da chã vitória,
onde o brinde se eleva às injustiças,
os gritos de hip! Hurra! são nauseantes,
pois é o prenúncio forte das mazelas!

Na passeata absurda do festim,
quando a anarquia afirma os convocados,
é lida a decisão protegedora
dos crimes abjetos dos lacaios.

Não é de surpreender o regozijo
do grupo dominado pelos erros,
festejando a abertura das prisões.

E neste torvelinho trambiqueiro,
o respaldo oficial empresta as honras,
ratificando os fatos imorais!

CIÚME

Ciúme desgraçado que me mata!
Do teu belo sorriso, desconfio;
pelo cheiro, imagino-te no cio.
Transformei-me num vil psicopata!

Assaltam-me ridículas visões!
Nos braços de outro amor, vejo-te agora;
minha alma tola e frágil então deplora,
não a ti, mas as minhas sensações.

Que confusão mais louca e sem limite
assume a presidência deste caos,
confrontando certezas e ilusões!
Morrerei ao rigor das conclusões,
num fadário de olvido frio e mal,
na dúvida sagaz dos meus palpites!

REMOENDO O PASSADO

Um silêncio patético me envolve,
sinto o manto da dor e da saudade.
É a força da lembrança que me invade,
é o sonho não cumprido que me move!

Vivo sombra e motim, pragas da idade
- abismo e caos que emergem da memória –
tecendo uma pungente e atroz história,
a revelar tristezas e verdades!

Eventos dolorosos do passado
chegam-me duros, ásperos, matreiros,
reavivando fantasmas esquecidos!

Entregue ao pranto, agora vence o enfado,
revivendo o destino dos herdeiros
que ao invés da riqueza herdam encargos!

MEROS MORTAIS

Somos a podridão materialista,
arremessada ao jeito da incerteza.
A decisão que resta sobre a mesa
é trabalho da morte calculista!

O arrojo da banal quiromancia
termina em pasto à dura realidade,
pois não basta mostrar a identidade
do sonho, da esperança e da magia!

Na impulsão do viver, a preferida,
de todos os destinos que se enfrente,
é a desgraçada morte, é a vã partida!

É fato que estremece toda a gente,
basta que o véu do luto encampe a vida
de rico e livre ou pobre e dependente!

BRADO URBANO

Um cheiro nauseabundo de miséria
envolve o espaço inútil que me enlaça.
Nas ruas da metrópole a desgraça
sacode o meu sentido e faz pilhéria.

Chegará o momento do meu grito
para acordar a gente soçobrada,
levantar moribundos da calçada,
livrar o ser humano dos conflitos!

Crianças, jovens, homens, vulgos, mitos,
almas nuas tomadas de amargores
dão-me a visão macabra dos horrores!

Desejo solução para os aflitos.
Que ponham cobro às dores dos conscritos
nesse exército de seres sofredores!

DOR DE AMOR BANIDO

Revelo a dor madura, intensa, fisga de aço,
afronta sem limite às caras ânsias da alma,
diante do amor desfeito, etéreo, vago e amargo,
que após promessas tantas riu-se e foi-se embora.

É dor voraz que mói, rasgando o tempo e a sorte;
é senso interrompendo a reza, a paz, o rumo,
devoração de sonho, artérias nuas, frágeis,
a última esperança, adeuses, nunca mais!

Ah, dor mais que profunda a latejar no âmago,
mãe da saudade intensa, mãe das rezas cruas,
és sombra,trevas, filha espúria do desprezo!
A dor da alma banida é breu, é puro fel;
desatino, desgosto atroz, amor desdito.
Pudesse eu te daria às hienas e urubus!


EIS QUEM ÉS

És tu a irmã mais próxima do horror,
pois trazes camuflados em teu seio
a torpe ingratidão, o ódio e o meio
de aniquilar, matar ou causar dor.

Perversa, és calculista, és insensível,
és lâmina na carne, rogas pragas;
a relação bendita e sã tu estragas,
tramando nas caladas, invisível!

És tu quem trais, delalatas, atraiçoas,
serpente das serpentes, maliciosa,
demônio que de males a alma peja!

Aos bons, tu sacrificas e esbordoas,
cheia de si, confiante e glamurosa,
trazendo oculto o nome torpe: inveja!

INÍCIO DO FIM

Aproximam-se as sombras, chega a noite;
o tempo aligerou-se, sinto a morte,
trazendo o funeral que espanta a sorte,
na dança da alma entregue sob açoite.

A voz da juventude e da criança,
fantasmas renascendo dos abismos,
demonstra dor, tristeza e pessimismo,
enquanto imerge o canto de esperança.

A matéria reveste-se de negro,
eclode a voz nojosa dos arreglos,
promete encanto, estradas eternais!
Do espaço etéreo, a festa macabrosa
noticia que a tumba misteriosa
é o início do fim, é o nunca mais!

OPERÁRIO-PRANTO

Solto o tempo no vagar da sorte,
como a morte no trilhar do sonho.
No infinito do cantar sombrio,
colho o fruto do sofrer eterno.

Divagando no saber estranho,
conhecendo a força do mistério,
argamasso a construção da vida
sob as luzes de um querer sublime.

Maldizendo o que recebo em troca,
nesse evento de trocar amores,
vou-me ao largo no meu fado enfim!

Prisioneiro deste pesadelo,
ferve o sangue do operário-pranto,
ao rigor de uma emoção profunda!

SAUDADES
(Ao Ínclito Magistrado Gaúcho Moacir Danilo Rodrigues)

Desperto à natureza mais ferina:
é a que provoca a acerba transição,
em silente labor de enucleação,
levando-nos um dia à triste sina.

Refiro-me à matriz da desventura,
a forja da saudade e do sofrer:
o tempo, esta abstrata varredura
que erode instante a instante nosso ser.

Verdugo, em gáudio vil, nos lega a glória
do desgraçado arquivo da memória,
trazendo-nos a dor e muitos ais.
O tempo! Ele passou, deixando a história
das crianças nos atos sentenciais,
retrato de Moacir Danilo Paz!

TOLO

Sou tolo. Revivo os encantos dos lábios,
dos túmidos seios, da pele macia,
da sorte mais terna diante dos sins
brotados do arrojo lascivo e aquiescente!

Sou tolo. Relembro os arroubos dos beijos,
os corpos suados e ardentes na alfombra,
as juras secretas de augustos enlevos
e a doce ventura do amor infinito!

Sou tolo. Na soma perversa dos anos,
nos dias de chuva, de vento e de frio,
há sonhos antigos tramando martírios.

Sou tolo. Vidraça embaçada, invernia,
onde é que me encontro neste hoje de agruras,
sofrendo os engodos da amarga utopia?


ESQUECER

Na taça de cristal dos meus sentidos,
sorvo o maduro vinho da saudade,
enquanto um rigoroso inverno invade
as lacunas de amores não vividos.

No epicentro das dores que colhi,
longe do beijo ardente que eletriza,
distante da lascívia que eterniza,
a solidão confirma o que perdi.

O tempo do sofrer são horas cruas,
apresenta-se duro, carrascal,
diante da vida azul que não provei.
O acervo de ilusões atiro às ruas
- olvido sem limite a tanto mal! –,
desejando esquecer o que sonhei!

PRESENÇA

Ardência sem conta, minha alma incendeia,
meu corpo se alinha à emoção do desejo,
meus lábios se aprontam aos múltiplos beijos,
enquanto meu sangue borbulha nas veias!

O encanto da noite remexe a libido,
transforma meu corpo em nudez de emoção,
prepara o momento onde nula é a razão
ditando os domínios do amor mais sentido.

Ao ver-te, o universo se aquieta aos meus ais;
meus olhos rendidos às ânsias lacrimam,
enquanto tua voz murmurosa me enleia.

Então, desejando-te mais, muito mais,
Abraço teu corpo, os sentidos se animam
e o tempo se queda ao prazer que permeia.

PALHAÇO

Palhaço! Seu lugar é o picadeiro,
o circo é o universo sob lona.
Piadas, violões, bumbos, sanfona,
sua vida é a ilusão do mundo inteiro!

Atira serpentina, pó, confete,
mulambos, água, bolas e farinha,
espalhando as mais belas das florinhas,
fazendo piruletas, pinta o sete!

Na Arte Circense, é o mais brilhante atleta;
a magia do sonho está nas veias;
no pódio ele detém vaga cativa!
As dores do palhaço são secretas.
Lamentar-se é emoção proibitiva.
Seu destino é alegrar a vida alheia!

DERIVA

Nas sombras noturnas, às margens do tempo,
confuso me entrego à saudade e às lembranças.
Misturam-se os fatos; recordo a confiança
na mútua afeição transmudada em alento.

Sozinho, hoje vivo a tristeza que assumo,
cortando a cidade, vivendo nas ruas,
perdido em mim mesmo, sentindo a alma nua,
refém de um amor hoje exangue, sem rumo.

Nos subterrâneos do choro sem freios,
abrigo a certeza de um sonho acabado,
das ânsias sem volta, de um grito sem voz.
Sou nada no agora, perdi meus esteios;
lançado à deriva me vejo embarcado
na nau da tragédia, do caos mais atroz!

SISANC

Se de saudade sofro tanto agora
a desejar-te tão profundamente
saudades tantas outras sentirei
para remir as culpas que ora trago

Relembro as tantas vezes que parti
sob a emoção acesa do desejo
buscando nosso encontro nossos beijos
sob a volúpia intensa da paixão

A distância porém aprisionava-me
na querência viciada doutro amor
degenerando assim teus sentimentos

Do mundo dei-te então toda a razão
quedando-me em sofrer crescente e amargo
que hoje explode em saudades sem limites

REVOLTA

O náufrago social que andeja ao léu,
suplicando socorro em cada esquina,
é fruto de omissão mais que assassina,
assoberbando o sofrer do povo incréu.

Não dá para entender que seja sina
permanecer no mesmo carrossel,
sob a desgraça atroz de negro véu,
porquanto o sol a todos se destina.

Sob promessas vis da camarilha,
eleita pelo voto dos plebeus,
vão-se outros contingentes às calçadas.
O discurso farsante que enrodilha
a troupe sofredora de sandeus
produz revolta assaz encarniçada!
(1997)

CONGRESSO NACIONAL DA INSENSATEZ

Desculpas eu me peço, às claras, penitente,
pelo sufrágio deletério que elegeu
a chusma torpe de demônios que regeu
este Congresso que enganou a tanta gente!

E eu me desculpo sem limite; aconteceu,
sob promessa demagógica, indecente,
de ser meu voto o mesmo voto dessa gente
que sob o engodo da vileza ensandeceu!

Sofrido, o povo leva mais uma bordoada,
perfeito sparing social tomando murros,
decepção que se sucede uma outra vez.

Brasília, ninho antigo, alegres revoadas,
felizes bonachões, enquanto o povo, aos urros,
requer justiça contra tanta insensatez!
(Pelotas, RS,1989)

OMISSÃO

As liberais políticas perpetram,
contra os povos sofridos das Américas,
os piores males públicos da história.
Enquanto isso, as elites sugadoras

esbaldam-se nos cofres do Tesouro.
As regras emolduram-se aos desejos
de sub-reptícias vocações.
São coronéis, chefetes regionais,

caudilhos, ditadores, puxa-sacos,
um bando de calhordas segregando
parte do povo, a menos aquinhoada!

A mídia silencia astutamente,
se a turba é aristocrática e reclama
da falta de dinheiro em suas burras!

PSICOTERAPIA: RECOMENDO!

O neurótico mescla a insanidade
à sanidade alheia, à paz reinante.
Enviá-lo a tratamento psiquiátrico
é a vontade, evitando suas garras!

As crises emotivas, sem valor,
quantas vezes burlam tanta gente!
Enquanto a hipoplasia sexual
e a frigidez ataquem, não importa!

Que ele se veja, então, com sua amante.
Quanto a mitomania ganha a cena,
carrega gente séria ao cadafalso.
Psicoterapia: recomendo!
Dia-a-dia, satura a convivência
com gente que não passa de arremedo!

NEUROPATAS

Conviver com pessoas que reprimam
tendências neuropatas definidas
é temerário, um risco perigoso,
diante das tramas tantas que as habitam.

Obstadas na ação da falcatrua,
qual movimento assinam as histéricas?
Tratados delineiam tal neurose
ao prisma das vantagens econômicas!

O desejo comum é ceifar vidas;
a vítima provável então será
o rival que lhe tolha o ato vil.
Impossível a morte, eles definham.
Nos tiques sucessivos de seus gestos
transformam-nos em pára-raios de ódios!
1983

LÍDERES DE LATA

A estranha sensação que ora me toma
deriva da presença de pulhastros
na tribuna das nobres comandâncias,
tisnando instituições republicanas.

Verdade desbotada, algo me lanha
rompendo minha alma, a sorte e o meu destino.
Mas o homem é doutro norte, é caçador,
tiro certeiro contra a peste pública!

Representantes de altas imposturas,
amamentando chusmas microcéfalas,
tecem planos bandidos nos palácios.
Ficar assim não pode, é podridão;
a vergonha na cara há de nascer
nos líderes de lata de plantão!

2000

MESTRES

Há muita gente estúpida, sandia,
recalcada, caroço, casca humana,
rebotalho gerado pelas bruxas,
coisa à-toa, chorume dos lixões!

Entranha cadavérica, sem alma;
patifaria, abrigo de sordícias.
É a crítica enfadonha dos acertos;
é a escurril protetora das elites.

Gente nojenta, albergue dos desmandos,
é o putrefato cheiro das loucuras
que emana dos recônditos da fera!

São esses nauseabundos moralistas,
mentores das tragédias que avassalam,
das gerações os mestres norteadores!
1997

PELEJAS SENSUAIS

Eu te farei perdida nos meus braços,
dar-te-ei amor, serás pulsões febris.
Convocarei teus seios, teus quadris,
tua boca, teus ninhos, teu regaço!

Conhecerás um templo de explosão.
Teu corpo enlanguescido encantará.
Num momento o universo ofertará
o gozo, a transcendência, a evolução.

Teu íntimo maduro de desejo
grunirá como as feras ancestrais.
Então, serão meus gritos e os teus ais!

Sinto ardências nos lábios e antevejo
que em pouco - insaciáveis animais! -,
emergirão prazeres, muito mais!

PRUDÊNCIA

Medito à sombra amiga da prudência.
Como seguir em meio ao breu e às feras?
O espírito impulsivo se detém
sob a elucubração da sensatez.

Encontro no desdém arma segura:
servirá como antídoto às vilezas.
Na jornada, enfrentar com altivez
o parvo e o mequetrefe dos assaques!

Proibir a presença junto aos pés
do pelego que lambe - e depois morde -,
em subserviência repulsiva!

Distante do rebanho capachado,
lançá-lo ao precipício do esquecer,
salvaguardando as nossas inteirezas!

GUERRAS

No hediondo espetáculo das guerras,
habitat dos guerreiros sanguinários,
o herói produz a morte em luta atroz,
emergência do instinto mais perverso.

No pipocar das forças combatentes,
os neurônios se arrumam em confusão;
o ser humano passa a ser um bicho,
reveste-se o sensato de perverso.

A aguda estrategia belicosa
nalguns mais se acentua, mais se firma,
no avanço da batalha do extermínio.

Assim, com o tempo, a luta mais renhida
revela o contingente das neuroses,
senhores da medalha dos possessos!

TESES POSTERGADAS

Nos escombros das teses olvidadas,
germina a força pura das tragédias.
Pelo poder despótico alijados,
transformam-se em guerrilha os ideais!

Clandestinos exércitos guerreiam,
enfrentando trincheiras de mistério.
O fel da iniqüidade é o alimento;
da lágrima da dor renasce o sonho!

Num de repente, explode o povo inteiro,
movido pelo sangue de Justiça,
rendido ao chamamento da verdade!

E deste Tribunal gigante ecoa
a sentença lavrada em luta ingente
consolidando teses postergadas!

TEU SILÊNCIO ME MATA

Não precisava escrever muito pra dizer-te
que os sentimentos meus estão todos voltados
aos teus caminhos, aos teus fados, teus encantos,
sob o desejo, enfim, de ter-te nos meus braços.

Para que tanta inspiração, tantos poemas,
como os que escrevo às noites frias e vazias,
mostrando à tua incerteza o amor ilimitado,
se ele é a verdade mais profunda que me habita?

Não precisava falar mais sobre este assunto;
ele aniquila devagar os meus sentidos;
é uma constante de loucura a me aturdir!

É um tresvario o meu agir, já me conheces;
não apoquentes mais minha alma, minhas horas;
este silêncio teu me mata, me devora!

MUDANÇA

Enquanto à tempestade singra o barco,
seguro sobre vagas, sem vacilos,
o timoneiro acode aos horizontes
buscando que a esperança não feneça.

Sem avaria, as ondas se sucedem;
não periclita a fé, a nave segue.
Ressumbra a história, então, das aventuras,
recordam-se tensões mais opressoras.

No breu do mar revolto, ei-lo sozinho,
capitaneia a nau - sua existência -,
descobre que faz parte da tormenta.

Como tudo na vida se transmuda,
da escuridão se fez bela alvorada,
e de alma forte fez-se o mar sereno.

DESPREZO

No escalafrio atônito da inveja,
no leito hospitalar dos vagabundos,
deito os olhos cortantes de desprezo,
na iminência de um breve funeral.

Nas negociatas reles dos sentidos,
arde a cobiça torpe que desonra,
câncer que se faz peste abominável,
carcoma da alma impura, envilecida!

Imune às regras vis do sentimentos,
cavalgando em planuras do existir,
assisto às frustrações do andar de cima.

A seta envenenada dos fracassos
jamais atingirá o objetivo,
se o desprezo manter-se como escudo.

CHAMAR O FEITO À ORDEM

Na inconsciência traumática do tempo,
levando de roldão meus ideais,
traduzo muita dúvida e martírios,
desconforme com a falta de paciência!

No processo de trâmite moroso
para ajustar inúmeros problemas,
o tempo indesejado se intromete,
levando a decisões fora de prumo!

Sob convicção desordenada,
construção açodada do juízo,
esfacelam-se planos e conquistas.

Premido por freqüentes desajustes,
lavrados pela pressa atabalhoada,
LUTA

Arde o silêncio, ele consome o tempo;
traduz idéias de confusas metas.
A solidão carcome o viço e a fé,
erode o sonho, afoga as esperanças!

No corpo quedo ao peso da existência,
a sombra avulta na alma fria e nua
- pedra e metal no coração sem força -,
enquanto gira o corpo inerme aos ventos!

Sob os moinhos das tragédias tantas,
vozes sem boca rugem seus pecados,
proclamam guerra à liberdade e à vida!

Sob as esperas ao redor dos sonhos,
trazendo cargas de ancestrais mistérios,
eis muita gente em orações profundas!

PECADOS, PECADOS!

A carga é bruta, estranha, vil, fatal!
Homens, mulheres, crianças, anciãos,
exército azoado, ronda triste,
triscam diante dos riscos, dos abismos!

O que trazemos sobre nossos passos,
senão pecados capitais desnudos?
A chave gira e não liberta a culpa,
enquanto antigas emergências ferem!

Constrói-se o desatino rompedor,
amargo, bruto, rédeas frouxas, visgo,
anúncio de passagem para o além!

Evoca-se a celeste provisão
de sorte e remissões a certa altura,
porque há momentos rudos de tremores.

RECOMEÇO

Amigo, eu me despeço, partirei.
Convida-me o futuro, a eternidade.
O sono mais profundo que sonhei
Agora me alicia de verdade.

Saudade? Ah, claro! Sei que a sentirei,
Mas ouça a confidência, meu amigo:
Logo logo estarás então comigo
e... para que saudades? – Eu direi.

E lá, nessa distância indefinida,
talvez encontre a desejada ermida
para elevar hosanas aos amigos.

Eis, portanto, o caminho que ora sigo.
Tua vez, aguardarás, e ainda te digo

DISFARCES

A cada passo, o sentimento finge.
Sorris perante todos, nada faço.
O espírito reclama em mil queixumes,
enquanto de ciúmes eu me afundo.

Pelos salões, disfarço, me resguardo;
não desejo que a gente sem visão
perceba que os meus olhos te acompanham,
somando-me às paixões aventureiras!

E quando ouço teu nome pronunciado,
transformo-me, disfarço estar distante,
mascarando o sofrer do anonimato.

Rendido num supremo desconsolo,
carrego o coração dilacerado
sob silêncio amargo, colossal.

MISTÉRIOS DOUTRAS TRILHAS

A tarde se despede, chega a noite.
Despontará, em breve, a madrugada.
Na quietude das ruas, quase nada
se distingue das chagas dos açoites!

Caminho, chuto troços, levo sonhos.
No rosto, há vento frio e escuridade.
No coração, há medo de verdade,
há sombras fantasmais, seres medonhos!

Rompo o silêncio adulto dos felinos;
rasgo a selva das fêmeas excitadas;
atravesso calçadas de mistério!

Pressinto no amanhã outro destino,
cansei-me de trazer a alma assombrada.
O que desejo agora é um monastério!

NADA MAIS HÁ QUE IMPORTE

A tarde se despede, chega a noite.
Despontará, em breve, a madrugada.
Na quietude das ruas, quase nada
se distingue das chagas dos açoites!

Caminho, chuto troços, levo sonhos.
No rosto, há vento frio e escuridade.
No coração, há medo de verdade,
há sombras fantasmais, seres medonhos!

Rompo o silêncio adulto dos felinos;
rasgo a selva das fêmeas excitadas;
atravesso calçadas de mistério!

Pressinto no amanhã outro destino,
cansei-me de trazer a alma assombrada.
O que desejo agora é um monastério!

SOSSEGO COMUNITÁRIO

Num piscar, os incautos são driblados
sob o manto abusivo dos falsários.
A regra é o surrupio e tudo vale,
nas sub-reptícias emoções.

No afeto engodatório dos calhordas,
órfãos, velhos, crianças e viúvas
soçobram indefesos e esmagados
pelos ardis das burras vivaldinas.

Avulta o latifúndio dos cretinos
sobre a herdade dos bons, dos sem malícia,
da sociedade vítima das petas!

Que a borduna moral do Judiciário
ceife a ação delitual dos ardilosos,
reimplantando o sossego nas comunas!

ENCONTRO DO PRAZER

O fogo és tu quem trazes como lema;
é fogo de desejo, é ardência pura,
justifica a inteireza e a formosura
do corpo que me entregas, belo emblema!

Tu me devoras; linda, me suplicas,
trêmula e nua, doce e cativante.
Entregue às emoções, libido incitas;
transcendo aos meus suspiros, ofegante.

No assomo dos arrojos luxuriantes,
multiplicas teus beijos cativantes,
ao tempo em que te envolvem meus encômios.

Ao vento da magia desse instante,
dilacera-se a trama dos neurônios,
assume, então, nossa alma mil demônios!

SONHOS E SONHOS

As luzes dos brinquedos que se acendam;
abram-se os vinhos nobres da ilusão.
As mãos debulham sonhos pelos pátios;
os olhos desintegram sentimentos.

Os filhos reconhecem pais cansados
e a vida inteira seguem como órfãos.
À espera da estação que nunca chega,
derramam-se diamantes pelas mãos.

No frescor das manhãs primaveris,
a emoção enrodilha-se à ilusão,
transformando o viver em farsa nua.
A sorte é fantasia, é alma em transe;
é purpurina, risos e confetes.
Muito pouco da vida incute medo!

PRESSENTIMENTO

Pressinto a força cósmica das horas,
transcendentalizando os meus desejos.
No espírito oprimido o relampejo
da morte miserável me devora.

Ouço o tempo agitado lá de fora,
agouro transmissor do que pressinto,
qual me fora chegada a má senhora
sob o capuz dos negros absintos.

Acode-me lavrar um testamento,
gravando o corpo nu da lousa estranha,
contra a repartição do verme insano.
Porém, nada mais resta ao sentimento;
o corpo e alma pertencem à louca sanha
do inflexível além, frio e profano.

AO DEPOIS

Os corpos cavalgam rompendo limites,
quais ondas sem freios de intensa explosão.
É arrojo de forças que bate, que lanha;
é caos de consciência, é nau à deriva.

O sangue efervesce, qual lava vulcânica,
enquanto o animal contamina as ações,
domina aventuras, assume o presente
aos gritos confusos das eras remotas.

Desejos em chamas, os corpos dopados
mergulham num tempo de puro mistério,
na doce florada do cosmo sem fim.


Ao depois do erótico embate, a exaustão
frouxa a nervatura da carne saciada,
que cede lugar ao império do tédio.
SERÁS SENSUALIDADE

Quero o gesto das mãos como brinquedo,
seja o teu beijo pura fantasia.
Ao lume da ilusão que se faz chama,
decifrarás o amor devagarinho.

Ao inteiro dever do verbo-encanto,
entrego a frase ativa do meu sonho,
para em volteios livres de pressões
fazer-te entregue aos jogos das carícias.

Na quietude da noite faço festa,
com meus versos elétricos, sem rima,
dando curso à emergência da libido.

E quando finalmente despertares,
sob a maturidade da lascívia,
serás sensualidade à flor da pele

CORRENTES

O que jamais vivi, revivo intensamente,
lavrando a história da ilusão sem preconceito,
deixando minha alma em devaneio, livre, nua,
cantando o que foi sonho em versos de prazer.

Desnudo amantes que não tive, dou-lhes beijos,
deito seus corpos nas alfombras guarnecidas
e alcanço o gozo repetido nos mistérios
da conjunção do amor sublime e das libido.

No dadivoso mergulhar da alma nos sonhos,
emerge o esteta e a inspiração concupiscente,
multiplicando a poemática dos êxtases.
De verso em verso, o canto assume as horas tantas
do que jamais vivi, mas que sempre senti,
acorrentado à farsa e às tantas frustrações.

DEGENERAÇÕES

Arde o silêncio consumindo o tempo,
trazendo idéias de confusas metas.
A solidão carcome a vida e o viço,
defenestrando as esperanças tantas.

A sombra avulta na alma fria e nua,
pedra e metal no coração sem força,
enquanto gira o corpo inerme em sonhos,
sob os moinhos das tragédias vivas.

Vozes sem boca, edificando o medo,
passeiam livres ao redor da espera,
assoberbando a carga estranha e bruta

que em vão trazemos junto aos nossos passos.
No caldeirão que ferve é só loucura,
é tiro, é soco, é sangue, é morte, é medo.

AMOR QUE DELIRA

Instantes são chantagens aplicadas
e beijos são tramóias temporárias.
As verdades inteiras são neblinas
que embotam quantas vezes a consciência.

Não haverá caminhos de reencontros,
horas marcadas, horas decididas,
ou mesmo pensamentos prolongados,
sobre as sensações fortes que vivemos.

Também os horizontes escurecem,
e eis que a fugacidade das mãos juntas
não passam de uma quadra de promessas.
A vida muda muito no outro dia.
A vida muda sempre, ela é mutante,
é a desgraça do amor que hoje delira!

“PARA ONDE FOSTE?”

Recebo-te feliz, após romper
madrugadas, abismos, precipícios.
Tu desapareceste e desde o início,
marcou-me a solidão, férreo sofrer!

O tema de teu canto me restaura;
teu verso forte, nu, lúbrico e doce,
mesmo virtual - e seja lá o que fosse! –
transmuda-me em energia, faz-me um taura!

Voltas trazendo encanto e novidade,
mil causos construídos não sei onde,
que agora dás à luz, não mais escondes!

Sinta o áspero amargor, sinta a saudade
que deixaste ao partires desta herdade,
forçando-me a indagar: “Para onde foste?”

AGUARDA!

Este colo desnudo me fascina!
Eu sei que é tela, é tinta, é inspiração;
e sei também que é fonte de ilusão
esta bela mulher, quase menina!

Resisto às veias tensas e à emoção.
Entretanto, o desejo me ilumina
mostrando que seu corpo é a minha sina,
vertendo descompasso ao coração!

Confuso entre o real e a fantasia,
aos pés da lascivosa imagem nua,
venero cada curva de seus traços.
Um passarinho esperto disse um dia:
“Aguarda que ela ainda será tua
e deitarás feliz em seu regaço!”

TEU RETORNO

Recebo-te feliz, após trilhar
durante tanto tempo o abismo escuro.
Tu te lançaste ao fado mais impuro;
fiquei sozinho, entregue ao meu azar!

Agora, o teu encanto me restaura;
teu verso de ilusão, lúbrico e doce,
mesmo virtual - e seja lá o que fosse! –
transmuda-me em energia, guapo taura!

Voltas trazendo sonhos, novidades,
nos escritos lavrados não sei onde,
que agora dás à luz, não mais escondes!

Calei-me no amargor e na saudade,
pois foi o que legaste de verdade,
deixando-me a indagar: foste pra onde? (verificar poema parecido!!)

CRIMINALIDADE

Há sombras e orações, tiros e dores;
fuzis, metralhadoras e granadas;
há medo nas famílias enganadas,
sob o ferrete e sanha dos rancores.

Há tempo emerge a inércia do Poder;
apuram-se no caos as omissões;
Fez-se decreto o ror das podridões.
Quem é o responsável, onde o dever?

Esfacelada a carta dos costumes,
ao olvido os princípios de respeito,
as regras esboroam-se na lama!

A criminalidade vil assume
as rédeas sociais para o malfeito,
sob a revolução de ações insanas!

VENTO

Um vento estranho ruge na montanha,
nas areias noturnas, nos jardins.
Vento que chega rude, solitário;
vento do mar que erode penedias,

voz da procela, vezo enigmático.
Esse vento se guarda num mistério:
ele é das noites nuas aflitivas,
não sei onde ele nasce, de onde vem,

mas chega e segue à sombra madrigal,
mordendo o tempo efêmero da vida,
mascando o freio injusto da existência.

Não sinto medo; toma-me a coragem
de romper este vento a qualquer custo,
nem que o faça de vez meu companheiro!

MEREÇO MEUS FLAGELOS

Minha alma sucumbira ao rés-do-chão,
na madrugada atroz do rompimento.
Havia caos, tristeza e desalento;
havia desencanto e solidão.

Chorei. Bebi. Fumei. Que desespero!
A manhã ressumou frágil, de luto,
lançando um grito atroz, um grito mudo,
compartilhando a dor do mundo inteiro!

Este sofrer persegue-me faz tempo;
meu coração rendeu-se ao descompasso;
contemplar o passado, eis o que faço!

Revelei minha culpa em sacramento;
dos fatos, as razões de cada evento.
Sou dono dos flagelos por que passo!

ESQUEÇA-ME DE VEZ

Se do fatal silêncio que impuseste
brotaram duvitezas tão pungentes,
deixa-me quieto agora, não me tentes
trazendo à baila o amor que não quiseste.

Do abandono, o escombro não revive;
situação dos amores sepultados,
de cujos fatos, todos arquivados,
não existe lembrança que os avive.

No assombro da amargura mais crucial,
eis-me aturando a vida menos mal,
sobre os espinhos tantos das procelas.

Doravante, desejo o manancial
de uma vida ditosa, sem seqüelas,
aprumando-me longe das querelas!

INVERSÃO

No astuto estratagema dos velhacos,
onde sobejam regras sem princípios,
deploro o conduzir-se envilecido
que ao ferir o indivíduo atinge a classe.

De súbito, esporeiam quem defende,
solitário, os direitos do excluído,
perpetrando-lhe golpe traiçoeiro,
qual fora a voz certeira da erronia!

É o agir emergente da vindita,
sustento do interesse inconfessável,
consolidando a glória dos farsantes!

Tanta a contradição em tal debate,
Que avulta realidade insofismável:
Ganha o réu à tribuna acusatória!

ALMAS CARENTES

Quem és - mulher ou ninfa caçadora? -,
confesso-te, não sei, mas me ardo todo
na aventura que rompo com denodo,
buscando uma resposta alentadora!

E no voraz assomo dos anseios,
despertamento mágico das almas,
pressinto-te ao meu lado, ardor sem traumas,
lúdica, entregue, solta sem rodeios!

Senti teu beijo um dia assaz candente;
lascivosa, buscavas por prazer,
mas foste e me deixaste a ensandecer!

O fado que pressinto está evidente:
distantes eu e tu, almas carentes,
legaremos o amargo do sofrer

ILEGALIDADES

A atmosfera densa e fria é um pesadelo,
fruto da angústia acerba e crua que me envolve;
cedo às idéias paranóicas e abismais,
sob os impulsos do inconsciente em convulsão.

A intransigência dos conceitos obscuros
é emaranhado que me lança ao vil degredo,
é afronta, é sanha de demônios desgraçados,
no infeliz e cruel domínio das mentiras!

Que um risco só de força e vez ainda me reste,
lança-lo-ei sem medo e freios aos discursos,
vociferando contra idéias impostoras!

Sinto-me só, ao desabrigo e sem defesa;
quero respaldo neste embate contra os males,
onde os engodos proliferam contra as leis

RETA FINAL

Volto os olhos cansados. O que vejo?
Ah, sombras e aventuras muito antigas!
Reviver, nunca mais! Não voltarei.
A esta altura, o futuro é uma utopia.

Ao descompasso, atrevo-me a seguir,
pleiteando a força ausente que me foge,
seguindo a mesma trilha do menino,
no andar debalde, livre, isento e alhures.

Badala o sino, aviso do amanhã;
ouço conselhos sobre os infortúnios;
sigo meu rumo à esteira das entregas.
Entardece. Do corpo aflora a reza;
sobra a certeza inútil do que fui,
no estertor do capítulo final.

CADERNO DE POESIAS

“- Que caderno encardido é este que trazes,
de papel vagabundo, áspero e fosco,
trazendo capa com desenho tosco,
pesado de sinais, palavras, frases...?”

Pergunta um camponês de poucas luzes,
diante do caderninho de simplezas.
Então, responde a moça com tristeza:
“- Guardo aqui poesias, céu e cruzes!”

“- Ora, ora, poesia! Que importância
tanta dás às folhinhas amassadas,
a cujo escrito emprestas dom de lei?”

“- Queres saber de sua relevância?
Faz minha alma leve, livre, entusiasmada
e os pés no chão: a vida que almejei!”

CONSPÍCUAS EMOÇÕES

Nego vigência às imorais conjecturas
que se diagramam na genética dos torpes.
A força bruta do animal não convalida
as construções edificadas pelo instinto.

Na sociedade humana, as feras reproduzem-se.
Onde os encantos? A criação é engodo, é farsa;
muita suspeita há na lógica das coisas.
No caos, o mar se agita, explode a nau sem rumo!

Repilo a ação dos alquimistas malandrins,
engodadores do metal desvaloroso,
acobertados pelos rumos da utopia.

Há sorvedouro de conspícuas emoções.
Este é o destino da calhorda insatisfeita,
repositório dos limites ancestrais!

EIS O DISCURSO

Aplacado o furor que me acolhera,
ao ver a lei curvada ante o ilegal,
a palavra retomo na tribuna
repelindo imorais condescendências.

Repudio a proposta de inversão
emergente do chefe da quadrilha.
No assomo do direito do infrator,
a decisão que lavro é inflexível.

Ao pulha sem respeito aos regramentos,
às aves de rapina dos escuros,
sobra a lança moral da dura pena.

Calar a voz ridícula da injúria,
ao repúdio levar bazofiadores:
eis o discurso irado que profiro!
1989

PROCELA IMERECIDA

Povo sofrido, povo amargurado,
asilo das sentenças degradantes:
os gritos abafados e os clamores
proclamam perdições, gente aturdida!

As tragédias sucedem-se vivazes
no cadafalso horrendo dos sinistros.
O putrefato olor emana às noites
dos corpos supliciados pela fome.

Na marcha onde se buscam soluções,
requer-se a remissão dos vis culpados,
facultando o perdão à canalhice!

No caos da escuridade, ei-lo jogado,
ao lado dos direitos que agonizam,
sob o ferrete de procela imerecida!

MEU CORPO É UMA ESTAÇÃO

A sorte está lançada, vou partir.
Voltar, quem sabe eu volte, ainda não sei.
A eternidade guarda os meus segredos,
eis porque não confirmo o meu regresso.

Partir, eu partirei, rumo ao infinito.
Talvez leve meu cão de companheiro,
para enfrentar surpresas que o destino
decerto jogará sobre os meus passos.

Deixar, eu deixarei a experiência
aos pósteros do sangue e da genética,
ao comando das regras da eugenia.

Na sucessiva troca da matéria,
um grupo chega, enquanto outro se vai.
Meu corpo é uma estação nesta jornada.

SUPERIORIDADE DOS INSTINTOS

No mítico pulsar afrodisíaco,
despertar do animal ao doce enlevo,
reside a trama heróica dos mortais
de manietar-se às regras da consciência.

No afã do ardor do sexo profundo,
o homem retém as rédeas da libido,
juiz da eterna luta das potências
domando a resistência dos instintos.

Superado o confronto deste embate,
pela satisfação do irreprimível,
reimplanta-se o domínio das frenagens.

Supondo-se a vitória do senso-ético
sobre o poder sem freios dos instintos,
tudo estará perdido e sem razão.

TEMPERANÇAS

Sob esperanças mortas, muita luta,
ora explosões de sangue e muitos gritos;
e no envolvente mundo dos conflitos,
ações do tipo que envergonha e enluta.

Ilusão revertida em cinza e pó,
outrora esteio da alma tão vazia,
hoje enfrento os vilões do dia-a-dia
à beira dos abismos, triste e só!

Sobre sonhos e planos, eis escombros,
insultando o fantasma da criança,
Anúncio das tragédias, caos e estrondos!

Não fosse a vida ornada de alianças,
Argamassa de fé, desgraça e assombros,
Já não traria na alma temperanças!

AVENTURA IMPOSSÍVEL

A Muralha da China é o mais extenso
dos muros existentes sobre a terra.
Mas é questão de tempo ultrapassá-lo
e atingir qualquer lado que se queira.

Há diversas barreiras naturais,
montes, vales, geleiras, rios, mares.
Para que os homens rompam seus limites,
enfrentará confrontos e perigos.

A inteligência humana é transcendente,
assim como a ousadia e a intrepidez
perante os obstáculos colossos!

Mas conquistar o amor de uma mulher,
o beijo, o abraço, o corpo... não há regras!
É uma aventura às vezes impossível!

DESTINO

Sobre as dores tamanhas que me assaltam,
por mil multiplicadas desde o início,
esclareço a razão dessa odisséia
estampando a ascendência mais primeva.

Sou caixa de segredo hereditário,
montada em gerações de antigos genes.
Trago bandidos rudes, salafrários;
homens de honra, aprumados e virtuosos.

Esse estado bifronte que se arruma,
quase embate animal a compungir-me,
sintetiza o sofrer que me atassalha.

Qual a razão central deste fadário:
viver envolto à vida dos enleios
para servir de liame às gerações?

BUSCA AO PRAZER

Natureza atrevida e rompedora,
és tu, mulher, que, ao grito contundente,
esparges teu desejo tão ardente
no vôo livre de uma águia sonhadora?

Tu andejas por coxilhas e campinas,
mulher- ninfa ou menina caçadora,
voluptualizada à adrenalina
que te impulsiona à fuga das masmorras!

Recebo-te, estás sós, libido acesa,
aprisionada às ânsias, corpo entregue;
teu beijo mostra o quanto estás carente!

Domina-te o delírio, és doce presa.
No cio, me procuras, me persegues,
para as viagens longas, transcendentes!

(Inspirado na poesia “ Um poema à Camponesa”)

O TEU QUERER

Inspiras, sim, o vate misterioso,
garimpador da história mais sublime
que trazes no existir esplendoroso,
sob a fé milagrosa que redime.

Provoco-te, rebelde camponesa,
senhora da notícia alvissareira,
da coragem sem peias, da lhaneza
no tratar a amizade além-fronteira!

Mas no íntimo desejas meus carinhos,
meus beijos, minhas mãos e os meus abraços,
enfim, a liberdade do prazer!

No silêncio dos lábios, eu me alinho;
desentendido, às vezes, eu me faço,
porém sinto que é imenso o teu querer!

(Inspirado na poesia “Um poema à Camponesa“)

MISTÉRIO DAS FLORESTAS

O olor das selvas puras e intocadas
penetra meus sentidos, feito o vento
que rompe sob silvos delicados
o verde nu, espesso e misterioso.

Enfrento a travessia dos receios,
preservar a natura é uma conquista;
meu coração se entrega aventureiro
e eleva hosana à sorte que me guia!

Afasto-me dos homens que se adonam
da natureza rica que se expõe,
desprotegida às garras da ambição!

As horas se amontoam, e a floresta
aguarda que a minha alma e que o meu corpo
integrem-se ao futuro dos verdores!

DESATENÇÃO

O silêncio dos anjos não convence,
enquanto todos cantem seus mistérios,
ao custo das maçãs apodrecidas,
do grito e da oração mais-que-imperfeita.

Na emergência da luz, das novas ordens,
a terra porá cobro à prece espúria.
Cavalos são treinados todo dia
para o trabalho bruto dos arados!

As abelhas estão enlouquecidas;
dão-se à procura inútil das estrelas,
imaginando o néctar da vida!

O inverno condecora o rosto bruto
dos peões indormidos dos levantes,
mostrando-lhes o pasto da miséria!

VITÓRIA DOS VADIOS

Não há norma jurídica que vença
os estelionatários da moral.
Mantêm comportamento desigual,
são cínicos no embate das avenças!

Ratificam tratados ilusórios;
não cumprem com o preestabelecido.
Se condenados, não sofrem por vencidos:
sairão vencedores os finórios!

Acordo sobre acordo e novamente
- devedores astutos, fugidios -
assanham-se ao recurso e ao ludibrio.

Agrupam-se mentiras evidentes,
nominando os lacaios de inocentes,
em mais uma vitória dos vadios!


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